Crônica Literária – Noite de Domingo, noite de saudade
O domingo, com sua quietude peculiar e a promessa de uma nova semana, traz em si um peso difícil de explicar. Para muitos, é o final de um ciclo, o momento de encarar a segunda-feira que se aproxima.
Para mim, porém, é mais do que isso. É a hora em que as lembranças se acendem e, como uma velha película projetada em minha mente, começam a desfilar momentos da minha vida.
Lembro-me do meu pai. Lembro de homem sensível, sincero, solitário, que vivia momentos de saudade de sua família indiana e que havia se adaptado ao estilo brasileiro de viver.
Suas palavras eram carregadas de um peso que só compreendi com o tempo. E minha mãe, tão diferente dele, cada palavra era uma tentativa de fazer com que o mundo ao nosso redor ficasse mais leve. Ela tinha essa capacidade: transformar tudo em algo suportável ou não.
As noites de domingo são, para mim, uma mistura de nostalgia e silêncio. Quando tudo se acalma, é como se a memória decidisse, por capricho, revisitar cenas que haviam sido guardadas em algum canto da mente.
Para ler
- Para ler todas as CRÔNICAS
- Crônica – O Homem ansioso ao investir dinheiro
- Crônica Literária- Decepcionado com pessoas que não se impõem
Crônica Literária – Noite de Domingo, noite de saudade
Cada detalhe desses momentos me assombra, mas de um jeito doce, quase como se o tempo se dobrasse, permitindo que eu revivesse cada instante, sigo.
No entanto, a melancolia que vem junto com essas lembranças tem uma presença pesada, quase sufocante.
Já me acostumei com ela, mas não acho que seja uma companheira bem-vinda. Passei por três batalhas intensas contra o câncer, como soldados enfrentando inimigos sorrateiros, e sobrevivi a cada uma delas.
Como um guerreiro que, ao final da luta, carrega cicatrizes não só no corpo, mas também na alma. E há ainda a diabete, essa companheira que nunca me abandona, sempre me lembrando de suas restrições, de suas demandas.
Então, me pergunto: até que ponto essas lembranças são saudáveis? É claro que a saudade é um sentimento natural, mas, para alguém que enfrentou o que eu enfrentei, ela pode ser um convite à tristeza, um chamado para mergulhar fundo em águas escuras de melancolia.
E, aos domingos, essas águas parecem mais tentadoras.
Mas ao mesmo tempo, essas lembranças me mostram o quanto vivi, o quanto amei, o quanto construí. Cada riso, cada lágrima, cada vitória e cada perda foram tijolos na minha história.
E talvez seja isso o que me mantém de pé, domingo após domingo. A consciência de que, mesmo nas noites mais solitárias, carrego dentro de mim um tesouro incalculável: a memória daqueles que me amaram e que, de alguma forma, ainda estão comigo.
É por isso que, domingo à noite, quando a melancolia bate à porta, não a deixo entrar por completo. Ela pode espiar pela janela, pode até sentar-se na soleira, mas não permito que invada minha casa.
Pego essas lembranças com cuidado, como quem segura um cristal delicado, e as coloco de volta no lugar de onde vieram. Agradeço por cada uma delas, mas sei que preciso seguir em frente.
Escrever essa crônica é uma forma de aliviar esse peso. De organizar as ideias, dar nome às emoções e, ao fazer isso, perceber que a melancolia não tem poder absoluto sobre mim. Ela é uma visitante, não uma residente.
E talvez, ao compartilhar isso com você, possa também encontrar alívio para o que sente. Porque, no fim das contas, todos temos nossos domingos de saudade, nossas noites de lembranças.
A diferença está em como escolhemos lidar com elas. Para mim, a chave tem sido a aceitação: aceitar que essas memórias são parte de quem sou, mas que não definem tudo o que serei. Ainda há muito por viver, muito a construir.
E, enquanto houver uma nova semana para começar, sempre haverá esperança de novos momentos ímpares, prontos para serem guardados na caixinha das lembranças.
E assim, mais um domingo se vai, e a vida, como sempre, segue seu curso.
Anand Rao
Editor Chefe
Cultura Alternativa