Depósito Legal: obrigação clara, processo nebuloso
O Depósito Legal foi concebido para proteger o patrimônio bibliográfico do país. De acordo com a Lei nº 10.994/2004, editoras e gráficas devem remeter um exemplar de cada obra lançada à Biblioteca Nacional no prazo máximo de 30 dias após a publicação.
A intenção é formar um acervo que reflita a produção intelectual nacional. No entanto, entre a teoria e a prática existe um abismo considerável para quem atua no mercado editorial alternativo e independente.
Para editoras de pequeno porte e iniciativas artesanais, o primeiro entrave é a falta de informações acessíveis.
O portal da Biblioteca Nacional disponibiliza diretrizes genéricas, mas diversos relatos de editoras apontam a escassez de apoio técnico.
Muitas encontram obstáculos ao tentar compreender a documentação solicitada, especialmente no caso de publicações digitais, cujo processo ainda carece de regulamentação objetiva.
Consultas a fóruns editoriais e grupos em redes sociais confirmam que a maior parte inicia o procedimento sem orientação adequada.
Além disso, o envio físico dos exemplares representa um desafio logístico e econômico. Pequenas editoras situadas fora do Rio de Janeiro, onde funciona a sede da Biblioteca Nacional, enfrentam custos elevados para despachar exemplares pelos Correios.
Uma editora do interior do Pará relatou que o valor do frete para a capital fluminense ultrapassava o preço de capa do livro.
Embora a legislação preveja parcerias com bibliotecas regionais para descentralizar a entrega, tal mecanismo nunca foi implementado de maneira eficiente, obrigando editoras distantes a arcarem com despesas muitas vezes inviáveis.
Depósito Legal e ISBN
ISBN
O ISBN (Número Padrão Internacional de Livro) é imprescindível para inserir obras no circuito comercial formal. Apesar de não ser compulsório, sem ele os livros têm sua circulação restringida em livrarias físicas, plataformas online e catálogos de bibliotecas.
No Brasil, o registro é administrado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), que cobra R$ 22 por cada número e R$ 36 adicionais para quem deseja o código de barras correspondente.
Em um primeiro olhar, tais valores podem parecer módicos, mas escondem uma problemática estrutural. Para editoras que publicam diversos títulos anualmente — muitas vezes em tiragens modestas — as taxas acumulam-se rapidamente.
Além disso, não há políticas de isenção ou descontos para microeditoras ou coletivos culturais, colocando produtores independentes em posição desvantajosa frente aos grandes grupos editoriais.
Outro desafio é a complexidade do sistema de cadastro. Editoras e autores autônomos frequentemente relatam que a plataforma digital da CBL é pouco intuitiva e oferece suporte insuficiente.
Não existem canais de atendimento facilmente acessíveis, levando muitos a buscar auxílio em redes sociais ou contratar serviços pagos de consultoria.
Essa burocracia cria uma espécie de barreira invisível: sem o ISBN, as obras permanecem fora dos registros oficiais e enfrentam dificuldades para alcançar um público mais amplo.
Depósito Legal e ISBN
As dificuldades práticas: do discurso à realidade
Além dos obstáculos legais e financeiros, as editoras independentes convivem com um cenário de isolamento institucional.
Não há iniciativas governamentais específicas que incentivem ou facilitem o cumprimento do Depósito Legal e a obtenção do ISBN para esse segmento.
Em 2023, dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil indicaram um aumento no faturamento geral do setor, mas uma queda expressiva de quase 18% no número de registros de ISBN — reflexo direto das dificuldades enfrentadas, principalmente pelos pequenos editores.
As reclamações são frequentes em encontros de coletivos editoriais e feiras literárias. Diversas editoras relatam episódios em que exemplares enviados à Biblioteca Nacional nunca tiveram seu recebimento confirmado.
Outras mencionam atrasos significativos no processamento do Depósito Legal, prejudicando sua regularização fiscal e a participação em editais públicos de incentivo à cultura.
No caso das publicações digitais, a ausência de uma normativa clara deixa muitos profissionais em dúvida quanto à obrigatoriedade e aos procedimentos corretos.
A concentração das operações no eixo Rio-São Paulo marginaliza projetos editoriais de regiões como o Norte e o Nordeste.
A inexistência de postos regionais de depósito e a falta de representação para o ISBN agravam as desigualdades no setor.
Como consequência, muitas editoras independentes optam por não cumprir essas exigências, enfrentando o risco de sanções, pois a alternativa seria lidar com uma burocracia onerosa e pouco transparente.

Depósito Legal e ISBN
Conclusão
O Depósito Legal e o ISBN foram idealizados como ferramentas para assegurar a memória bibliográfica e facilitar a circulação organizada de obras no Brasil.
Contudo, para as editoras independentes e alternativas, esses instrumentos tornaram-se símbolos de um sistema burocrático que favorece grandes empresas e desestimula a diversidade cultural.
A falta de procedimentos claros, os custos incompatíveis com a realidade das pequenas editoras e a ausência de suporte institucional criam um ambiente desfavorável para quem deseja seguir a legislação.
Enquanto o discurso oficial valoriza a inclusão e a pluralidade no mercado editorial, a prática revela processos que excluem aqueles sem capacidade financeira ou conhecimento técnico para enfrentar a complexidade dos trâmites.
Se o Brasil realmente pretende preservar e democratizar sua produção intelectual, é urgente revisar as políticas relacionadas ao Depósito Legal e ao ISBN, com foco na equidade e na criação de mecanismos que atendam as especificidades das pequenas e médias iniciativas editoriais.
Por fim, é necessário ampliar o acesso a informações, descentralizar os processos e estabelecer suporte técnico acessível, garantindo que editoras de todas as regiões e tamanhos possam participar de maneira justa do mercado editorial brasileiro.
Anand Rao e Agnes Adusumilli
Editores Chefes
Cultura Alternativa