Eternos caminhos efêmeros

NO CORAÇÃO DO MUNDO

Eternos caminhos efêmeros. Resenha do livro de Ana Rossi, por Paulo Lima

Alguns livros de poesia parecem exercitar a sensibilidade do leitor já a partir de seu título, e nele condensar, com muita felicidade, sua mensagem poética.

Este é o caso de Eternos caminhos efêmeros (Editora Mondrongo, 2019), de Ana Rossi, poeta, tradutora e professora da UnB. O livro carrega ainda uma peculiaridade – veio à luz primeiro na França, país em que Ana viveu durante 20 anos, onde cursou mestrado e doutorado.

Tendo nascido um outro, em francês, o trabalho, traduzido para o português pela própria poeta, já surge impregnado de transitoriedades que compõem o universo de sua autora.

É essa ideia de fluxo, de deslocamento rumo a algum lugar almejado, porém ainda inalcançado, que confere uma unidade temática ao volume. Nele, a soma dos acasos fortuitos determina o movimento, o eterno resultando da soma de acontecimentos efêmeros, como posto no título, que se abre a uma jornada de descobertas.

“Assim caminho/mais e mais/de dentro/para fora/essa sou eu/instantes que faço/e que fazem/digo sim ao destino”, diz no poema “Poesia é”, que dá início ao livro.

Ali, já aparece a palavra caminho, que com suas variantes de substantivo e verbo será utilizada de forma recorrente, referência ao novo que se constrói a cada passo, tal qual o caminhante de Antonio Machado, filósofo a quem Ana dedica, aliás, o poema “A caminho no caminho”.

A dicção da poeta é límpida, melódica, expressa em versos livres, na maior parte, como pequenas luzes que buscam clarear o horizonte vasto a ser percorrido. No poema “Urgência”, ela escreve: “na imensidão do destino/a surpresa avizinha/toda jornada/as noites seguem/jamais as mesmas/jamais sem rumo”.

Aqui, outra palavra cara ao seu repertório, destino, que a atrai em suas várias vivências: “e ela segue, passo a passo, metamorfoseada/nas andanças desta vida em suas outras fachadas/assim como os corações almejam o tempo”, eis o que diz no poema “a caminhante”, dedicado a Charles Baudelaire e Émile Nelligan.

Eternos caminhos efêmeros

Eternos caminhos efêmeros

Poética da transitoriedade

A difícil missão da poesia, de fazer-se sentir em tempos de dispersão egóica, está presente em versos como “eu, eu e mais eu o grito escoa com mais força, com/mais sofreguidão para ser ouvido por aquela plateia/que não consegue mais ouvir nada, saturada de ´eu´”, pertencentes ao poema “Eu, eu e mais eu”.

A poeta, no entanto, agradece os instantes de conquista, do estar-aí da existência, o otimismo como profissão de fé: “a glória do que faço/chega-me a cada dia/a cada instante/dentro e no bojo/do que faço aqui/a toda hora/e a todo momento”, canta no poema “Dar graças”.

Como no rio de Heráclito, a poeta sabe que o passageiro é a essência do que é vivente, com seu mergulho em águas que não se repetem, retratado em versos que reforçam a ideia de movimento: “os dias vão/os dias vêm/mais e mais/nunca iguais/jamais os mesmos” (do poema “dias vão… dias vêm”). Ou ainda em alertas sentenciosos: “não deixe o passado te assombrar” (do poema “Fábulas”).

Contudo, esse é um processo que se dá em duas direções. Enquanto a poeta expande e explora os caminhos, no viver para fora e na aceitação do que já foi e do que ficou para trás, olha também para dentro, num processo de autodescoberta. “sigo/vou/eu/para o coração do mundo/para o coração de mim mesma/divino”, confessa no poema “passagem”.

Mas há também a alegria do regresso ao seu país, mais especificamente a Brasília, a retomada de laços outrora desfeitos, que a levam a instalar-se num novo sonho, com uma alegria triunfante: “cheguei em casa após muito caminhar,/e, nas minhas andanças, vi países longínquos,/pessoas, muitas e muitas pessoas que nem/posso contar nas minhas noites sem pensar”, celebra no poema “em casa”.

E prossegue, extasiada: “cheguei em casa, aqui, no planalto central, aqui, /bem aqui no coração do brasil, onde o luar é mais/belo do que em qualquer outro lugar, aqui onde/os periquitos cantam e esvoaçam nas noites de luar”. Eis o porto seguro, onde a viajante se redescobre e se renova: “chego em casa, e, finalmente, aprendo a descansar.

O livro traz ainda uma breve incursão pelo haicai. Reúne também poemas dedicados a artistas e poetas brasileiros (Caetano Veloso, Maria Bethânia, Chico Buarque, Paulo Leminski, Haroldo de Campos), num claro diálogo com suas obras, e um grupo de pequenas fábulas em forma de versos, ou “encantamentos”, voltadas para lendas e mitos nacionais.

No conjunto, me pareceram um canto de louvor aos elementos que contribuíram para alimentar nosso imaginário como nação, refletindo também o amor e a saudade da filha pródiga, depois de um longo período ausente.

Com sua poética da transitoriedade, Ana Rossi nos leva a repensar nossas próprias escolhas, e com ela aprendemos a nos reconhecer e, também, a pensar em “novas rotas, novos caminhos”, tanto fora quanto dentro de nós mesmos.

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O livro Eternos caminhos efêmeros pode ser adquirido diretamente com a autora, através do e-mail anarossi1655@gmail.com.

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