Pianos não se afinam sozinhos - Cultura Alternativa

Pianos não se afinam sozinhos

Pianos não se afinam sozinhos

Na grande maioria dos 32 concertos do festival ‘’Jazz in Marciac’’ o piano foi instrumento de destaque, como não poderia deixar de ser num festival do gênero.

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E apesar de toda a tecnologia hoje integrada à música, os pianos ainda precisam da intervenção humana (e especializada) para encontrar a boa afinação.  

Por trás do som perfeito e inigualável dos quatro pianos das marcas Steinway, Beckstein e Yamaha à disposição dos músicos no JiM estava a equipe da Pianos Parisot, de Toulouse, da qual faz parte a afinadora Barbara Duval, 25 anos. 

Com formação como ‘’Técnica em Piano’’, o que inclui saber consertar, harmonizar e transportar o instrumento, Barbara passou os 16 dias do festival transitando entre os quatro palcos em que havia shows e, portanto, pianos para afinar.   

Entrevista exclusiva para o ‘’Cultura Alternativa’’

Nessa entrevista exclusiva para o ‘’Cultura Alternativa’’, ela fala do ofício que desempenha desde os 18 anos.     

Qual a sua formação e porque escolheu ser afinadora de piano:

Encontrei meu professor de piano quando meus pais compraram um piano prá mim.

E fiz meu estágio de conclusão do Collège (o equivalente ao ensino médio) com ele. E depois do BAC (o equivalente ao vestibular) eu fui estudar no Instituto Europeu do Métier da Música. Em seguida, fui fazer um estágio numa fábrica de pianos, para trabalhar diretamente com quem faz o instrumento. 

Qual a principal qualidade de um afinador de pianos:

Tem que escutar muito o pianista, pois o afinador vai discutir muito com o pianista para saber do que ele gosta como som, como toque de tecla, como regulação; e do que ele não gosta. A partir daí, vamos trabalhar com o piano para que ele reproduza o que o músico quer. É preciso muita paciência e escuta.     

Qual o detalhe mais difícil de uma afinação:

A afinação é um todo, não há nada que seja mais ou menos difícil. O que é particular são as condições dentro das quais a gente trabalha. Uma afinação é mais ou menos a mesma coisa todo o tempo.

Vamos acrescentar um pouco de cor aqui, um pouco de abertura ali, mas isso é bem técnico. E em seguida vai depender do lugar onde está o piano.

Se é uma igreja, um espaço grande como o Chapiteau (palco principal do JiM, com capacidade para 6 mil pessoas), um estúdio de gravação. Tudo isso vai modificar nossa percepção sobre o som. Essa é a particularidade do nosso métier.     

É necessário afinar um piano depois de cada apresentação:

Eles têm necessidade de ser afinados antes de um concerto, sobretudo durante um festival. Trazemos o piano, e depois que ele é montado, nós afinamos. Então o pianista vem passar o som.

Daí conversamos para saber se tudo está bem, se há algo a modificar. Fazemos o que o pianista nos pede antes da passagem do som. E depois que o pianista passa o som, fazemos novamente a afinação em acordo com o que ele pediu para que no momento do concerto o instrumento esteja perfeito.    

Você tem alguma astúcia para proteger a audição. Quero dizer, você tem mais necessidade do que uma pessoa comum de proteger a audição:

A ideia é que a audição é um músculo e que como tal se pode exercitá-la.

Como um esportista que faz os 100 metros rasos, nós aprendemos a escutar o som do piano e da afinação, mas não é por isso que a gente vai escutar sempre a mesma coisa.

Quando a gente fala, quando a gente escuta música ou as pessoas, não é a mesma escuta. Escrever um poema não é a mesma coisa que escrever uma lista de compras prá casa. É a mesma coisa com a audição. É necessário ter cuidado com a audição. Muito volume sonoro acaba com o tímpano.    

Qual foi o pianista mais famoso para quem você afinou o piano:

Brad Mehldau é o favorito da minha curta carreira.  

Para você qual é o melhor piano do mundo:

Não tenho resposta, pois o melhor piano do mundo será aquele que terá mais personalidade, mais cor, que terá sido bem explorado.

Se um artista pode trabalhar 100% da dinâmica e das possibilidades do piano, isso será formidável. Mas o mesmo piano tocado por um iniciante que explora somente 20% de suas possibilidades, não será de forma alguma o melhor piano do mundo.

Isso passa pela capacidade do intérprete. Claro que também tem a ver com a qualidade do piano, mas inicialmente tem a ver com a capacidade do intérprete.   

O que você sente quando um artista como o Jamie Cullum (o agitado cantos inglês subiu três vezes sobre o piano Steinway de Barbara, durante sua apresentação no JiM ) dança sobre o piano:

Em termos de afinação, não tem muitas consequências, pois subir no piano não o desafina. No caso, o Cullum subiu em cima do meu piano.

É formidável que ela possa fazer sua cena, mas é verdade que é um instrumento delicado. Por outro lado, Jamie Cullum é um profissional.

Ele sabe no que ele pode tocar, onde ele pode se apoiar. Ele sabe quais peças são sensíveis e frágeis, e que deve evitar de tocar nelas.

Eu avisei o produtor dele, pois eu sei que ele costuma dançar sobre o piano, das partes do piano que não deveriam ser tocadas e avisei que Jamie também sabia quais eram essas partes. Por fim, ele não estragou nada. Ela sabe o que ele faz.            

E depois de Marciac:

Até o final do verão, com meus sócios, vamos preparar o começo do novo ano.

Nós temos uma loja também e atendemos tanto particulares quanto profissionais. Mas eu vou a vários festivais ainda.

E depois vamos retomar o trabalho com escolas e conservatórios, sempre buscando nos desenvolver e nos estabilizar.

Cultura Alternativa

Artigo de -> Carlos Dias Lopes

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