secos e molhados

Secos & Molhados, por Ediney Santana.

Quando em 1973 chegava às lojas de discos o primeiro LP dos “Secos e Molhados” foi um choque, não havia nada perecido em nenhum lugar do mundo.

Se os Secos e Molhados tivessem tocado no festival de Woodestock certamente causaria no público uma sensação prá lá de lisérgica, os Secos e Molhados era mais desconcertante e contracultural que a maioria das atrações do famoso festival.

Nos vocais dos Secos e Molhados estavam Ney Matogrosso e João Ricardo, o primeiro de voz aguda o outro tinha a voz grave, contraponto perfeito. O Visual do grupo era andrógino, criaram seres mitológicos com todos os elementos das vanguardas artísticas dos anos de 1960.

A sonoridade dos Secos e Molhados estava longe do pop água com açúcar das Fms, era mais próxima do Rock com raízes na música portuguesa (João Ricardo é português) e caipira do inteiro de São Paulo, tudo misturado com maestria.

Nunca a poesia foi tão bem tratada pela música como nos Secos e Molhados. Foram musicados poemas de Vinícius de Moraes, Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira e João Apolinário. No segundo disco do grupo a musicalização de poesias continuou, nomes com Fernando Pessoa, Júlio Cortazar e Oswald de Andrade tiveram poesias musicalizadas.

secos e molhados

Os Secos e Molhados foi popular sem ser previsível ou fútil, soube ser profundo sem ser chato ou soberbo, foi musical sem ser incompressível, foi debochado sem ser caricatura, zombou dos “conservadores”, sem negar a tradição poética e musical, era um grupo de homens que flertavam com o universo feminino em um tempo de machismo dilacerante.

Em uma das canções dos Secos eles cantam: “Quem tem consciência é para ter coragem, quem tem a força de saber que existe, quem não vacila mesmo derrotado, quem já perdido nunca desespera e envolto em tempestade decepado entre os dentes segura primavera”. Esses versos de João Apolinário musicados pelo seu filho João Ricardo nos traz uma profunda reflexão sobre nossa condição nesta vida, nossa condição social e política, nos chama para o enfrentamento mesmo diante da queda e da solidão.

Em outro momento de profunda beleza musical e poética a música “Assim Assado” de João Ricardo talvez tenha sido a primeira canção brasileira a falar sobre racismo e violência policial. Na canção aparece um tal Guarda Belo, quando encontra um velho por causa da sua cor resolve matá-lo e ao fim o Guarda Belo se transforma em herói.

Os Secos e Molhados foi a união harmônica entre teatro, artes plásticas, música, poesia e sentimento agudo de liberdade.

Vale sempre revisitá-los, ouvi-los e se permitir ao legado musical desse grupo inesquecível que soube como poucos unir refinamento musical com apelo popular sem ser medíocre.

Por Ediney Santana, para o Cultura Alternativa

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