O brasileiro está deixando de tomar café?
O Brasil, tradicionalmente conhecido como a terra do café, vive um momento de virada amarga.
Em abril de 2025, o hábito diário de muitos lares foi abalado por uma retração de 15,96% no consumo da bebida, em comparação ao mesmo mês do ano anterior, conforme aponta a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
A queda representa mais que um número: é o retrato da adaptação de um povo ao impacto direto do custo de vida.
No acumulado de janeiro a abril, a redução nas vendas atingiu 5,13%. Isso significa que mesmo os consumidores mais fiéis estão apertando o orçamento e repensando o cafezinho como item essencial.
O que antes era uma tradição consolidada, agora exige uma decisão consciente na hora de comprar.
Vale destacar que o consumo doméstico representa entre 73% e 78% da demanda nacional. Quando o brasileiro começa a deixar o café de lado, algo mais profundo está acontecendo: uma transformação cultural silenciosa que revela novos hábitos de sobrevivência cotidiana.
Café está caro demais?
O preço subiu, e muito
O valor do café moído acumulou alta de 80,2% nos doze meses encerrados em abril, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE.
Esse avanço representa a maior inflação para o produto em três décadas, superando a média geral da alimentação e até mesmo itens como combustíveis e serviços básicos.
Somente em março, o preço do café moído aumentou 8,14%, enquanto o café solúvel subiu 3,52%. Nas prateleiras, pacotes de 500 gramas de marcas tradicionais superam R$ 20, empurrando os consumidores para alternativas mais acessíveis, como grãos a granel ou cápsulas reutilizáveis.
Especialistas em economia rural apontam que os custos de produção praticamente dobraram entre a safra de 2024 e a de 2025. Entram na conta fatores como fertilizantes importados, energia elétrica, transporte e mão de obra, tornando inevitável o repasse ao consumidor final.
Café está caro demais?
O clima virou inimigo do cafezal
As mudanças climáticas têm sido determinantes para o cenário atual. A produção de café arábica no Brasil sofreu queda de 10,5%, afetada por chuvas irregulares, ondas de calor e umidade abaixo da média. Minas Gerais, maior estado produtor, foi duramente impactado por esse novo padrão climático.
A bienalidade negativa, fenômeno típico da cafeicultura que alterna safras abundantes com anos de menor produtividade, agravou ainda mais a situação em 2025.
Muitos produtores viram suas colheitas minguarem em pleno período de colheita, comprometendo o abastecimento interno e externo.
Ao mesmo tempo, o Brasil exportou 50,5 milhões de sacas de 60 quilos em 2024, volume recorde que representou um crescimento de 28,8% em relação ao ano anterior.
Essa expansão no mercado internacional, embora positiva para a balança comercial, retirou uma fatia importante da oferta disponível para o consumo nacional.
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O que vem pela frente?
A Abic projeta que os preços devem entrar em uma fase de estabilidade nos próximos meses, mas sem redução significativa.
Ou seja, o valor elevado do café veio para ficar por um bom tempo. A colheita do meio do ano pode suavizar o cenário, mas ainda é cedo para prever recuos consistentes.
O mercado internacional continua aquecido. A valorização do dólar torna a exportação mais atraente, o que deve manter boa parte da produção brasileira voltada ao exterior.
Para os consumidores locais, essa dinâmica dificulta a oferta ampla e acessível nos pontos de venda tradicionais.
Enquanto isso, o brasileiro médio segue dividindo seu orçamento entre as necessidades básicas e seus prazeres cotidianos.
Em muitas casas, a xícara fumegante está sendo substituída por alternativas ou simplesmente sendo deixada de lado. O café, por ora, se tornou uma indulgência calculada.
Um café com menos sabor e mais incerteza
Não se trata apenas de uma bebida quente e aromática: o café carrega significados afetivos. É pausa, é colo, é conversa. É o “bom dia” que une estranhos e o “vamos conversar” que aproxima amigos.
A mudança no padrão de consumo mexe, portanto, com o emocional do brasileiro.
Cafeterias artesanais já notam queda na clientela. Vendedores ambulantes, com suas garrafas térmicas em pontos de ônibus e calçadas, também relatam baixa rotatividade.
Escritórios, antes abastecidos com pó de qualidade, agora recorrem a soluções mais econômicas ou cortam a oferta completamente.
Essa transformação revela uma nova realidade: o Brasil, mesmo sendo um dos maiores produtores do mundo, está vendo seu povo se afastar do próprio patrimônio sensorial.
O café segue com seu perfume no ar, mas cada vez mais distante das mãos que sempre o acolheram.
Anand Rao e Agnes Adusumilli
Editores Chefes
Cultura Alternativa