Em um tempo em que o corpo vai sendo artificializado na busca ensandecida pelo que se acredita ser beleza e juventude, Maria Bethânia surge com seus longos cabelos embranquecidos, alma leve e sem maquiagem.
Seu tempo de vida é intensidade vibrante de quem sabe que a alegria de viver não se mostra tão somente por fora, mas se revela com intensa paixão por dentro, é a força água nascente em corrente livre pela simples e inquieta alegria de fazer do seu tempo, tempo de vida.
Maria Bethânia vive intensamente seus elegantes anos. Como são elegantes os que não caem em sombrias tardes cheias de fantasmas saudosistas, o que passou passou, todos os dias é dia de vida, é dia de reencontro, renascemos e nunca morremos, a morte de todos os dias é a alegria da natureza nos chamando para a urgência calma de estarmos em paz com quem somos. Por isso Bethânia convida Edithe Piaf para festa e canta para si e seus pares: non je ne regrette rien!
O envelhecer de Maria Bethânia é doce como é doce seu prazer de no palco viver instantes intensos, envelhecer é não se desesperar pelo tempo que passou, mas sorrir por todo tempo que se ganha, porque tempo sempre ganhamos e nunca perdemos, o segredo da felicidade é não ter segredo, viver, caminhar para o tempo sempre presente.
Encanta-me a dona dos cabelos elegantes que se faz sensual sem nunca ter desejado ser sensual, se faz linda sem nunca ter perseguido a beleza, alegre sem ser fácil riso. A força da vida é não recuar para logo adiante encontrar sucesso e felicidade.
Quando Maria Bethânia foi ao Rio de Janeiro cantar pela primeira vez poderia ter cantado uma música de amor, uma valsa, um alegre samba, mas não, ela cantou uma canção que dizia da dor da sua gente nordestina, sofredora e abandonada pelo Brasil, chegou chegando dizendo que dentro de si havia vida e certeza que não se recua para logo ali ter alguma vantagem, é tudo ou tudo, só os fracos recuam, não existe ser feliz pela metade, amar pela metade, amigos pela metade.
Beleza e juventude é tudo aquilo que guardam nos nossos olhos a alegria pelo tempo de estarmos vivos, velhice e viver o hoje correndo atrás do ontem, sejamos belos enquanto sentimos intensamente a paixão de estarmos aqui, a vida se resume na vida e não na morte.
Digo aos meus primeiros fios de cabelos brancos: sejam bem vindos, me levem para esse novo momento, sejam bem vindos contem histórias comigo, digo aos meus primeiros fios de cabelos brancos: tragam novos amigos, amores, paixões, novos trabalhos, tragam a paz de estarmos bem, digo aos meus primeiros fios de cabelos brancos: como é bom ter vivido para abraçar vocês, vamos ao bar, missa, ao culto, praia, vamos ao tempo bom de amar.
Coloco no celular Maria Bethânia cantando Non, Je Ne Regrette Rien e meus passos ficam mais firmes, porque sempre é preciso começar do zero, não esperar em hipóteses algum alguém colocar na frente do meu zero algum outro número, eu mesmo coloco e os retiro. Não se arrepender de nada, abraçar a alegria de sermos quem somos, porque tudo quem somos é fruto das nossas próprias forças somadas nestas horas que a natureza nos deu e chamamos de vida.
Um dia meu amigo Gerado Salles me disse: “é preciso deixar que as pessoas sintam saudades de você”. Sim, é preciso não afogar ninguém com nossa overdose de presença.
Sigo caminhando ao pôr-do-sol porque o céu de Brasília em si é a perfeita tradução do encanto, passa por mim uma pessoa que me lembra outro amigo, João Rodrigues Lima, todos meus amigos estão aqui ao cair da tarde. Bethânia canta, sigo meu caminho dizendo sejam bem-vindos meus cabelos bancos, não vou pintar vocês, não vou viver uma juventude artificial, porque vivi intensamente meus dias de juventude…Minha vida, meus amores…Hoje começam com vocês.
Por Ediney Santana, para o Cultura Alternativa
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