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De onde vieram os R$ 122 milhões? Editoras denunciam apagão na literatura escolar

Editoras denunciam apagão na literatura escolar

Um mercado por um fio: atraso nas compras públicas e crise editorial

Na manhã desta segunda-feira (5), profissionais do livro de todo o país divulgaram uma carta aberta alertando para uma crise que ameaça a sobrevivência do setor editorial brasileiro.

Desde 2022, as aquisições governamentais de obras literárias, especialmente pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD Literário), estão marcadas por atrasos severos.

Escolas públicas permanecem sem receber novos títulos, prejudicando estudantes e comprometendo o estímulo à leitura.

Apesar de anúncios de investimentos superiores a R$ 122 milhões pelo Ministério da Educação (MEC), editores e autores afirmam que os recursos não chegaram efetivamente às instituições de ensino nem às empresas responsáveis pela produção dos livros.

“Afinal, onde foram parar todos esses milhões destinados à compra de livros?”, questionam os signatários do manifesto.

A falta de clareza sobre os processos e a execução parcial das aquisições públicas gerou incerteza e instabilidade em toda a cadeia produtiva do livro.

Milhões de jovens leitores permanecem privados de acesso a novidades do mercado editorial, agravando a já preocupante redução no índice de leitura no país.

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Dependência de políticas públicas e o risco de apagão literário

Historicamente, as compras governamentais sempre representaram uma oportunidade adicional de receita para o setor editorial.

Contudo, com a retração do mercado privado e o fechamento de inúmeras livrarias físicas, elas se transformaram na principal fonte de sustentabilidade para pequenas e médias editoras dedicadas à literatura infantil e juvenil.

A paralisação das aquisições do PNLD Literário desde 2022 e a suspensão de iniciativas locais, como o programa Minha Biblioteca em São Paulo, colocaram ainda mais pressão sobre as editoras independentes. Sem contratos públicos regulares, muitas empresas enfrentam dificuldades severas ou encerraram suas atividades.

Além disso, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou uma queda no número de leitores: de 52% em 2019 para 47% em 2023, o que representa uma perda de sete milhões de leitores.

Sem livros nas escolas e políticas públicas efetivas, o Brasil arrisca aprofundar ainda mais esse cenário desanimador.

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Exigências financeiras e editais complexos afastam pequenos players

Os editais que deveriam democratizar o acesso às compras governamentais tornaram-se uma barreira para a maioria das editoras de menor porte.

As exigências técnicas e financeiras são desproporcionais e muitas vezes inviáveis para negócios de pequeno e médio porte.

Para inscrever um título no PNLD Literário Equidade 2026, é necessário produzir um Caderno de Sugestões para Educadores, adaptado em HTML5, com custo estimado de R$ 6 mil por exemplar.

Esse investimento precisa ser feito sem nenhuma garantia de seleção, expondo as empresas a riscos financeiros consideráveis.

Além disso, adaptações exigidas nos editais — em formato, acabamento e tipo de papel — comprometem a qualidade estética e a integridade das obras.

O resultado são livros que, frequentemente, não correspondem aos padrões oferecidos no mercado privado, prejudicando a experiência de leitura nas escolas.

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Mercado distorcido e práticas questionáveis

A carta aberta também denuncia práticas comerciais que distorcem o setor. Editoras sem histórico relevante têm adquirido, de forma surpreendente, os direitos de publicação de centenas de títulos simultaneamente, muitas vezes pagando adiantamentos em dólares, o que levanta suspeitas sobre a transparência dos processos de seleção.

Empresas comerciais passaram a atuar como intermediárias entre editoras e o governo, assumindo papéis de curadores sem formação técnica ou compromisso com a diversidade literária.

Esse tipo de intermediação restringe a concorrência e favorece interesses comerciais em detrimento da qualidade editorial.

Consequentemente, editoras tradicionais — algumas com mais de duas décadas de atuação — foram forçadas a encerrar atividades ou vender seus catálogos a grandes grupos.

Essa realidade ameaça a bibliodiversidade e restringe o acesso da população a uma variedade de autores e temáticas.

Caminhos para reverter o colapso

Os signatários da carta propõem como medida prioritária a aprovação da Lei Cortez (PLS 49/2015), que busca estabelecer regras claras de remuneração e circulação de obras, oferecendo maior segurança jurídica para editores e autores. Essa legislação é considerada essencial para reequilibrar as relações comerciais no setor.

Também sugerem a criação de incentivos fiscais concretos para as livrarias físicas, incluindo a isenção do IPTU, como forma de estimular a expansão de pontos de venda e reduzir a concentração de mercado em grandes plataformas digitais. Essa ação ajudaria a diversificar os canais de distribuição.

Por fim, defendem uma revisão urgente dos critérios e exigências dos editais públicos. A proposta é priorizar a excelência sobre a quantidade, garantir remuneração justa aos profissionais envolvidos e reconhecer os editores como parceiros estratégicos na formação de leitores, e não apenas como fornecedores ocasionais.

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Um paradoxo nacional

Enquanto a Unesco nomeou o Rio de Janeiro como “Capital Mundial do Livro”, o Brasil enfrenta uma crise sem precedentes no setor editorial.

A distinção internacional contrasta com a realidade econômica nacional, onde muitas editoras operam à beira do colapso financeiro.

A combinação de queda no número de leitores, atrasos nas compras públicas e práticas de mercado controversas criou um ambiente de incerteza e precariedade. A falta de diálogo entre os agentes públicos e os profissionais do livro agrava ainda mais a situação.

Os profissionais do setor alertam que ouvir as editoras e compreender o ecossistema do livro em sua totalidade é urgente.

Reconhecer o papel essencial dos editores e valorizar a diversidade literária são passos imprescindíveis para preservar o futuro da leitura e da educação no país.

Anand Rao e Agnes Adusumilli

Editores Chefes

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