Fluminense: Vamos mudar de prateleira
A semifinal do Mundial de Clubes da FIFA 2025 colocou o Fluminense em destaque global. Agora, o desafio é manter o clube entre os protagonistas. SAF, internacionalização e governança estão no radar para mudar de patamar. Mas o momento exige mais do que entusiasmo: pede estratégia.
Oportunidade histórica com retorno financeiro inédito
Por consequência da semifinal no Mundial, o Fluminense arrecadou aproximadamente R$ 329,4 milhões em premiações e ações comerciais, segundo levantamento da FIFA. A exposição em mais de 20 mercados estrangeiros gerou transmissões ao vivo e menções em mídia espontânea internacional, aumentando o valor percebido da marca.
Além disso, a Umbro, fornecedora de material esportivo do clube, registrou aumento expressivo nas buscas online pelos uniformes tricolores durante a semana do confronto contra o Chelsea, especialmente no México, Japão e Portugal.
Dessa forma, o clube se vê diante de um divisor de águas. A chance de consolidar esse avanço se apresenta de forma concreta, mas os dirigentes precisam canalizar o momento para políticas assertivas de reinvestimento e posicionamento institucional.
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SAF: a porta para reestruturação ou armadilha?
Em paralelo às vitórias em campo, dirigentes discutem internamente a adoção do modelo SAF — um formato que permite a injeção de capital externo e a profissionalização da gestão. Casos como o do Cruzeiro e do Botafogo mostram que é possível reerguer clubes financeiramente combalidos.
No entanto, a experiência recente do Vasco com a 777 Partners alerta para os riscos. Investidores estrangeiros, quando controlam excessivamente o clube, podem gerar conflitos com a torcida e ferir os valores históricos do Fluminense.
Portanto, o Conselho Deliberativo precisa avaliar qualquer proposta com base em cláusulas de governança, mecanismos de transparência e salvaguardas estatutárias. A pressa, se não vier acompanhada de análise, pode comprometer o futuro tricolor.
Internacionalizar com consistência e estratégia
Primeiramente, o clube deve mirar na expansão da sua base de torcedores no exterior por meio de canais digitais multilíngues. O uso estratégico de conteúdo em inglês e espanhol deve abrir caminho para esse avanço.
Posteriormente, a diretoria pode implementar ações como a criação de academias oficiais em mercados estratégicos, participação em torneios internacionais e parcerias com clubes estrangeiros para consolidar o Fluminense como marca global.
A médio prazo, quando o clube marca presença contínua em eventos fora do país, ele gera novas receitas, atrai patrocinadores multinacionais e cria identificação com públicos antes inexplorados.

Modernizar as finanças e diversificar receitas
Ademais, a dependência do Fluminense nas vendas de atletas — que hoje representam cerca de 65% das receitas anuais — compromete a sustentabilidade a longo prazo. Esse modelo torna o clube vulnerável aos ciclos de mercado.
Simultaneamente, a diretoria pode explorar outras fontes com mais agressividade: bilheteria premium, espaços comerciais no Maracanã, licenciamento de produtos e receitas digitais. O Atlético-MG, por exemplo, arrecadou R$ 10 milhões com fan tokens em apenas um ano.
Logo, os gestores do Fluminense devem investir em departamentos comerciais mais robustos, com metas objetivas, indicadores claros e estratégias alinhadas com o novo perfil de consumidor.
Base formadora com estratégia e visão empresarial
Desde já, o Fluminense precisa repensar a política de comercialização de seus ativos jovens. O caso de João Pedro, revelado pelo clube e vendido ao Watford, depois negociado para o Brighton, e recentemente adquirido pelo Chelsea durante o Mundial — onde marcou os dois gols da vitória na semifinal — escancara o erro de vender talentos antes da maturação.
Concomitantemente, o clube deveria preservar seus principais ativos até atingirem uma idade ou performance que justifiquem a negociação em patamar elevado, com retorno técnico e financeiro mais robusto. Os jovens que saem cedo, geralmente, rendem menos esportivamente ao Fluminense do que poderiam.
Para mudar de prateleira, a política de elenco deveria seguir a proporção de 80% de jovens talentos formados ou captados e 20% de jogadores experientes e qualificados tecnicamente. Isso traria equilíbrio competitivo, sustentabilidade financeira e identidade esportiva sólida.
Governança moderna e foco em planejamento
Inicialmente, os dirigentes precisam profissionalizar toda a estrutura administrativa com diretores especializados, metas claras e relatórios periódicos de desempenho. A ausência de indicadores compromete a tomada de decisões.
Além disso, o clube pode criar um portal de transparência atualizado, publicar balanços auditados e adotar práticas de compliance para alcançar um novo padrão institucional.
A gestão tricolor deve compreender que a reputação organizacional influencia diretamente os patrocínios, a confiança da torcida e a capacidade de atrair investimentos.
A torcida como força mobilizadora
Sob outra perspectiva, a torcida tricolor representa um ativo pouco explorado comercialmente. Sua capacidade de engajamento nas redes sociais cria uma oportunidade real para gerar receita por meio de financiamento coletivo e experiências personalizadas.
De igual modo, o clube pode desenvolver ações como matchdays com acesso aos bastidores, produtos exclusivos, NFTs e programas de fidelidade gamificados.
Quando o Fluminense permite que os torcedores participem de decisões simbólicas — como escolha de uniformes ou homenagens — ele fortalece o senso de pertencimento e cria vínculos emocionais duradouros.
Conclusão: se não agora, quando?
Por fim, os dirigentes do Fluminense precisam aproveitar a conjuntura favorável: caixa reforçado, prestígio mundial e torcida aquecida. O momento exige visão estratégica e coragem institucional.
Em contrapartida, a hesitação pode fazer o clube perder espaço. Os rivais já se movimentam em busca de investidores, internacionalização e profissionalismo.
Mudar de prateleira não é luxo, é necessidade. O Fluminense possui história, talento e agora uma vitrine global. Falta apenas escolher o caminho com firmeza.
Anand Rao
Editor Chefe
Cultura Alternativa