Dia do Homem - Cultura Alternativa

Dia do Homem – A Flor que não veio – Crônica

Dia do Homem – Sem presente

O esquecido Dia do Homem

Dia do Homem. Treze letras. Uma data solene, silenciosa e absolutamente ignorada. Ao acordar, examinei o ambiente: sem buquê, sem cartão, tampouco bombom. Nenhum emoji de parabéns no WhatsApp. Nada de figurinhas com bigodes sorridentes ou trocadilhos diversos.

Aliás, sou homem. Um ser humano com a barba por fazer, coluna dolorida, glicemia em descontrole e jazz nos fones tentando abafar aspiradores de pó e reformas intermináveis. É assim que começou meu dia comemorativo.

Com alguma esperança, procurei afeto no grupo da família. Imaginei um “Feliz Dia do Homem” vindo da filha sensível, da companheira, da prima. Entretanto, o silêncio prevaleceu. Nenhuma linha. Nem sequer um “e aí, tá tudo bem?”.

Enquanto isso, no nosso próprio portal de notícias, lia-se: “Dia do Homem é incentivo para cuidar da saúde”. Que presente maravilhoso (caramba): corrida na esteira, exame de próstata, suplemento de magnésio e autocobrança em modo turbo.

O homem moderno tem o direito de ser sensível, desde que seja sensível consigo mesmo, que pague tudo e não reclame.

Presentes invisíveis

De madrugada, tentei fazer carinho na esposa, que não sabia, estava acordada desde as duas da manhã. Em vez de reciprocidade, levei uma bronca. Foi o presente do dia.

Além disso, ganhei o som insistente das obras do 103 e a abdicação da vaidade. Barba por fazer, glicemia exigente, tempo escasso. Um pacote completo.

Entretanto, tive ânimo para levantar questões no programa que está quase no final deste texto.

Por que só o homem vai preso por não pagar pensão? Essa prisão também deveria existir para mulheres que não cumprem esse dever. Não que eu queira a cela para ela, longe disso, mas questionar é necessário.

Por outro lado, abordar temas como feminicídio também virou um desafio. É evidente que matar é inadmissível, em qualquer contexto. Contudo, fala-se pouco sobre hominicídios femininos contra homens.

Casos existem, embora não ganhem manchetes.

O custo silencioso de ser homem

No dia anterior, fui comprar comida. Pedi para tomar um guaraná da minha compra que havia pagado. A funcionária, empoderada e rígida, recusou o pedido antes de todo o pedido estar pronto. Mesmo após gastar R$ 140, recebi um “não” direto. Fiquei chateado, engoli e não engoli a questão, mas, fazer o que.

Consequentemente, percebi que o único que me parabenizou fui eu mesmo. Liguei no headphone o jazz, fechei os olhos, e por minutos fui feliz. Logo depois, lembrei da obrigação de caminhar 01h30m por dia para manter o pâncreas em relativo bom humor.

Viver com diabetes aos 63 anos é ter metas mais médicas que poéticas.

Ser homem no século XXI virou um experimento social. Um personagem funcional, calado, responsável e, por vezes, invisível. No próprio dia dedicado a ele, o que chega é um texto do meu próprio site, um editorial sobre autocuidado e o silêncio ensurdecedor das pessoas que amo.

Reflexão amarga, porém real

A celebração esperada simplesmente não chegou. Nada de flor, vinho, nem coisa alguma. O que veio foi a conta do remédio, a bronca noturna, a glicemia resistente e o cansaço de ser.

Mesmo assim, continuo. Como diz o Cultura Alternativa, “pra manter a memória, é preciso viver com leveza”. No caso masculino, leveza virou sinônimo de resiliência: pagar boletos sem reclamar, sorrir mesmo cansado, ser forte mesmo frágil. Reclamar virou pecado. Pedir ajuda? Um ato de coragem silenciosa.

Ainda estou aqui. Gravo com barulho ao fundo. Penso sozinho. Falo com a câmera como se fosse um espelho. E sigo com fones de ouvido, jazz alto e fé em mim. Porque, por mais que ninguém me parabenizo, sigo existindo com dignidade.

Assista “Um Cara Confuso com Anand Rao sobre a questão”

Por fim, parabéns pra mim

Não espero mais buquês. Tampouco cartões. Muito menos aplausos. Meu presente hoje é saber que sobrevivo.

Que penso, mesmo confuso, calado e sózinho.

Hoje, no Dia do Homem, a flor não veio. Mas veio o texto. E com ele, um sorriso irônico. Porque ser homem, no fundo, é isso: pagar a conta, cuidar da saúde, disfarçar o cansaço e continuar. Mesmo assim, parabéns.

Anand Rao
Editor Chefe
Cultura Alternativa