Castro D’Mar : o lirismos de uma geração
De todas as artes, a música é a única que causa impacto imediato. Maria Bethânia certa vez comparou o impacto da música com o perfume, percepção imediata.
Minha geração nos anos de 1990 foi muito influenciada pela música e política, mas na construção musical dessa geração a política não era presente, parecia existir uma linha divisória que blindava de alguma maneira a arte da própria política.
Minha geração foi lírica, neste lirismo a voz mais lírica entre todas e em todo país foi a de Castro D’Mar. Antes dele a voz que nos tocava era indiscutivelmente a de Renato Russo, de alguma maneira o canto lírico urbano do Renato dialogava com nossa geração pela essência otimista e também decadentista.
Castro D’Mar é um cantor lírico, mas não erudito, seu canto é popular, tomado pela serenidade. Sua voz não tem a força do canto de Renato Russo, ao contrário é contida, delicada e firme como o outono prolongado da nossa geração.
Toda geração tem seus artistas, alguns são conhecidos para além das suas aldeias, outros tão somente no lugar da sua essência, mas os eternos são os que unem: talento, dignidade humana, coloca sua arte para além de si mesmo e não constrói muros, mas deixa inúmeras pontes para os que estão ao seu lado e para os que vêm depois. Tudo isso Castro D’Mar tem.
A indústria do entretenimento criou a ideia de que artista bom é artista famoso, isso condenou muita gente talentosa e não famosa ao esquecimento, a invisibilidade. Muita gente é incapaz de amar, aplaudir ou respeitar quem não teve a benção do capital e não gera mais capital com seu talento. Curioso que essa ideia domina até quem diz lutar contra o capitalismo.
Eu escolho meus ídolos não pela fama, mas pelo talento, muitos têm talento e fama, outros só talento e mereciam ou merecem fama. A indústria da música não existe mais como existia antes da digitalização de compartilhamento de músicas. Hoje há mais liberdade criativa, há certa democracia musical, mas fica evidente que algo não mudou: talento é coisa rara.
Castro D’Mar foi e é a voz lírica da minha geração, voz saudosista que nos leva crer que valeu a pena todas as bandeiras da nossa geração, bandeiras que empunhamos apaixonadamente, mas que isso, ouvir Castro D’Mar é encontrar alguém em perfeita sintonia com sua musicalidade, atento aos novos caminhos, que usa a música como sua principal estratégia de diálogo com o mundo.
No Brasil devorado pelo ódio, polarizado pela imbecilidade política, que se tenta a todo custo naturalizar o caos, ouvir Castro D’Mar ao cair da tarde, nesses dias frios e de delicada solidão é reencontrar o que de melhor nosso país tem: lirismo, pluralidade e que nos convida a trazermos o futuro para o presente. A vida, disse John Lennon, é o que acontece enquanto você dorme.
? Por Ediney Santana, para o Cultura Alternativa
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