Crônica- Finalmente uma crítica construtiva
Já faz algum tempo que venho dedicando uma parte significativa das minhas horas a criar e publicar programas de entrevistas no YouTube.
A fórmula parece simples: uma conversa interessante, uma câmera ligada e, pronto, mais uma hora de conteúdo ao ar.
No entanto, o mundo em que vivemos hoje não colabora muito com a ideia de que alguém, em sã consciência, vá sentar-se e assistir a um vídeo de uma hora inteira.
Sejamos francos, em tempos de “shorts”, “reels” e vídeos de 15 segundos, um programa de uma hora soa quase como um filme de cinco horas.
Mesmo assim, continuei. Persistência, talvez teimosia, certamente uma pitada de paixão. Por muito tempo, a sensação que me acompanhava era aquela de gritar no vazio.
O número de visualizações subia devagar, os comentários eram esporádicos e, na maioria das vezes, limitavam-se a um “bom vídeo”, sem muito aprofundamento. Como diria qualquer criador de conteúdo, “a audiência é imprevisível, mas a paixão é imutável”.
Para ler
- Para ler todas as CRÔNICAS
- Crônica Literária – Noite de Domingo, noite de saudade
Crônica- Finalmente uma crítica construtiva
E então, hoje, finalmente, recebo uma crítica construtiva. Isso mesmo: construtiva. E não qualquer crítica, mas de alguém que teve a paciência (ou seria o luxo?) de assistir ao programa inteiro.
Um senhor, já de idade avançada, deixou um comentário elogiando não apenas o conteúdo, mas a forma como conduzi as entrevistas e a minha compreensão dos fatos. Algo que parece simples, mas que, para mim, significou muito.
Quando li o comentário, confesso que fiquei um pouco incrédulo. Sabe quando você relê para ter certeza de que não está sonhando?
Pois é. No turbilhão de opiniões rápidas e descartáveis que correm soltas pela internet, encontrar alguém que realmente parou para absorver o conteúdo inteiro me fez refletir.
Será que estou, de fato, criando algo com profundidade? Ou será que apenas achei meu nicho: pessoas que, como esse senhor, ainda valorizam o tempo investido em uma boa conversa?
Vivemos tempos em que a atenção virou um bem escasso. A luta por cliques, por visualizações, por números grandes e rápidos nos leva, muitas vezes, a esquecer da essência do que estamos fazendo. E essa crítica veio justamente para me lembrar disso.
Ela não foi sobre edição, luz ou som. Foi sobre algo muito mais importante: a condução do diálogo e a minha compreensão dos assuntos tratados. Esse reconhecimento me tocou profundamente.
Talvez o verdadeiro valor da crítica construtiva seja exatamente esse: apontar o que pode ser melhorado, mas também reconhecer o que já está sendo feito com esmero.
Crônica- Finalmente uma crítica construtiva
Estamos tão acostumados com a crítica que derruba, que esquecemos do poder daquela que motiva e direciona. Para mim, essa crítica não foi apenas um comentário; foi um impulso tremendo para continuar.
No mundo atual, é claro que um programa de uma hora não vai atrair uma audiência massiva. Não me iludo com isso. Entretanto, o simples fato de alguém ter encontrado valor no que faço, de ter dedicado parte do seu tempo para me dizer isso, me faz reconsiderar a minha visão sobre o que estou produzindo.
Talvez o sucesso não esteja nos números, mas na conexão que estabeleço com pessoas que, como esse senhor, se envolvem verdadeiramente com o conteúdo.
Manter a paciência e a calma ao longo de uma hora de conversa não é fácil. A arte de ouvir, de deixar o entrevistado confortável e, ao mesmo tempo, extrair algo relevante, é uma dança delicada entre deixar fluir e guiar.
Muitas vezes, as críticas que recebi até então focavam na duração, no formato ou no ritmo. Hoje, porém, fui elogiado pelo que considero o mais essencial: a forma como a conversa se desenrola e os assuntos são compreendidos e trabalhados.
Feedbacks técnicos são sempre bem-vindos. Melhorar som, luz, cortes de vídeo faz parte do processo. Contudo, essa crítica específica foi um afago na alma.
Crônica- Finalmente uma crítica construtiva
Ela tocou diretamente no coração do que me faz continuar produzindo: a troca genuína de ideias, o desejo de aprofundar temas e levar ao público algo além das superficialidades.
Refletir sobre essa crítica me trouxe um aprendizado valioso. Talvez o maior ensinamento seja justamente o de continuar acreditando naquilo que faço.
No fim das contas, o sucesso de um programa, seja ele longo ou curto, não está apenas nos números, mas na capacidade de gerar reflexão, de promover o entendimento e, principalmente, de criar uma conexão verdadeira com quem está do outro lado da tela.
Se hoje um senhor fez isso, amanhã pode ser outro. E quem sabe, aos poucos, não vamos mudando a forma como as pessoas consomem conteúdo, resgatando o valor de uma boa e longa conversa?
Anand Rao
Cultura Alternativa