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Empreender ou assinar a carteira?

Empreender ou assinar a carteira?

Jovens brasileiros repensam o futuro do trabalho

Uma mudança silenciosa está em curso no imaginário profissional dos jovens brasileiros.

Pela primeira vez, o desejo de abrir um negócio próprio supera — ainda que por uma diferença pequena — a vontade de seguir no modelo tradicional de trabalho com carteira assinada.

Dados da Hibou Pesquisas e Insights apontam que 33% dos brasileiros entre 16 e 34 anos sonham com a autonomia do empreendedorismo, contra 32% que ainda valorizam a estabilidade da CLT.

Embora o resultado configure um empate técnico, o movimento sinaliza algo maior: uma virada geracional nas aspirações profissionais.

Mas por trás dos discursos de liberdade financeira e independência, amplamente disseminados nas redes sociais, há um contexto econômico que impõe limites concretos à realização desses sonhos.

Empreender ou assinar a carteira?

Entre o ideal e o possível: empreender por necessidade

No Brasil, o empreendedorismo frequentemente surge como resposta à urgência. A mesma pesquisa da Hibou revela que 56% dos jovens que mudaram de carreira o fizeram por motivos financeiros — não por vontade ou paixão.

Esse dado reflete uma realidade incontornável: para muitos, abrir um negócio é menos uma escolha e mais uma alternativa diante da precariedade no mercado formal.

Segundo a Global Entrepreneurship Monitor (GEM), mais da metade dos empreendedores brasileiros iniciam um negócio por necessidade.

Isso contrasta com outros países onde empreender está mais associado à inovação e oportunidade. Ou seja, o desejo por autonomia esbarra, na prática, em condições desiguais de partida.

A distância entre diploma e realização

Outro fator que contribui para a busca por novos caminhos é a frustração com a formação acadêmica.

Apenas 42% dos brasileiros trabalham ou pretendem trabalhar na área em que se formaram. Entre os mais jovens, esse número é de 59%, mas desaba para 24% entre os profissionais com mais de 55 anos.

A desconexão entre o que se estuda e o que se exerce na prática tem levado muitos a reavaliar o valor do diploma como único passaporte para o sucesso profissional.

Esse desalinhamento também pressiona os jovens a explorarem alternativas — como a criação de pequenos negócios ou atividades autônomas — mesmo sem preparo ou capital suficientes.

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Empreender ou assinar a carteira?

O desafio estrutural do empreendedorismo no Brasil

Apesar da crescente valorização da figura do empreendedor, a realidade é que apenas 12% da população adulta brasileira possui um negócio ativo.

Entre os jovens, essa taxa não varia muito. A dificuldade não está apenas no desejo, mas nas condições objetivas para empreender.

Altos encargos tributários, burocracia excessiva e crédito escasso são barreiras recorrentes. De acordo com o SEBRAE, a cada 10 microempresas abertas no país, 3 fecham antes de completar dois anos de funcionamento.

A formalização como Microempreendedor Individual (MEI) tem ajudado, mas ainda está longe de garantir estabilidade, especialmente em um ambiente econômico instável.

Além disso, políticas públicas voltadas ao fomento de novos negócios muitas vezes ignoram o recorte etário e regional, dificultando o acesso de jovens das periferias urbanas e áreas rurais.

Conclusão: entre desejos, limitações e possibilidades

Há um desejo legítimo por liberdade e protagonismo entre os jovens brasileiros. Eles querem ser donos de seus horários, ideias e caminhos.

No entanto, esse desejo precisa ser sustentado por políticas consistentes, educação empreendedora desde a escola básica, e acesso facilitado a crédito e formalização.

Empreender não pode ser uma aventura solitária nem uma resposta desesperada à ausência de empregos formais. É preciso criar um ecossistema que valorize o sonho, mas ofereça solo fértil para que ele cresça.

A pergunta que fica é: estamos preparando o Brasil para transformar essa nova mentalidade em uma realidade viável e duradoura — ou apenas alimentando um discurso que poucos conseguem concretizar?

Anand Rao é editor do Cultura Alternativa. Agnes Adusumilli é jornalista e editora de conteúdo, especializada em comportamento, sociedade e mercado de trabalho.

REDAÇÃO SITE CULTURA ALTERNATIVA