Jazz in Marciac 2025 - Site Cultura Alternativa

Marciac 2025

É verão do outro lado do Atlântico! E os festivais de música se espalham como pólvora no calor do solo europeu. 

São centenas, alternativos, de médio e de grande porte. Um dos maiores e prestigiosos é o Festival de Jazz de Marciac (cidadezinha graciosa do Sudoeste francês). 

Este ano o Jazz in Marciac chega à sua edição número 47, que se estenderá até o dia 7.   

Como o caro leitor já sabe, o site Cultura Alternativa acompanha o festival bem de perto desde 2022. 

Neste ano, além do Jazz, que amamos, temos outro motivo tão especial quanto para estar por perto: É o ano do Brasil na França (visando estreitar a relação entre os dois países em áreas como negócios, turismo, educação e cultura), pontuado por vários eventos que mostram a variedade e o vigor de nossa Cultura aos franceses. 

Muita música incluída, é claro! 

Na próxima semana enfileiram-se no Jazz in Marciac apresentações dos ícones Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal, da virtuose Hamilton Holanda e da estrela ascendente Amaro Freitas.      

Jazz in Marciac 2025

Carlos Dias Lopes

Como a música africana está até o talo imbricada em nossas raízes culturais, nada mais justo do que começar por reportar ao leitor os concertos de dois grandes artistas daquele continente, ocorridos na última noite de julho em Marciac. 

Keita

Às 21h o malines Salif Keita, 75 anos, sobe ao palco. Ele vem mostrar seu último álbum, chamado ‘’So kono’’, ou ‘’Dentro do quarto’’ no dialeto mandingue. 

Escudado por uma formação mínima; percussão, violão e n´goni (uma espécie de violão primitivo com 4 cordas) ele lança sobre essa base acústica, profundamente melódica, seu canto mandingue, lamentoso e íntimo, lembrando o queixume recorrente no blues afro-americano original. 

Toca seu violão sentado no centro do palco por uma hora e pouco se comunica com o público, preferindo preservar a voz quando não está cantando. 

Assim, deixa generosos espaços para bonitos, candentes e igualmente lamentosos solos de violão e de n´goni. O resultado é um agradável concerto de afro pop, cujas músicas se esgueiram suaves ouvido adentro dos franceses. 

Ao final do show, a percussão ganha espaço, um caráter dançante (lembrando o dos discos que Keita gravou na França nos anos 80) vai tomando conta do espetáulo e termina por contaminar a francesada, que esquece rápidinho as lamentações mandingues para se atirar na folia sem barreira nem de idioma nem de estado de espírito.   

Jazz in Marciac 2025 - Site Cultura Alternativa

Jazz in Marciac 2025

Tikken

Trinta minutos depois do fim do concerto de Kaita é o costamarfinês Tiken Jah Fakoly, 57 anos, quem ocupa o palco do Chapiteau. 

Artista do primeiro time da África Ocidental, vários discos de Ouro na parede, Tikken é a antítese de keita em discrição. 

Sobe ao palco vestindo uma multicolorida túnica tradicional com a estampa do continente africano cobrindo-lhe o peito. 

Ele se movimenta em cena sem parar, enquanto rege os seis músicos e as duas backings vocais. 

Também está em turné para mostrar o último álbum, chamado ‘’Acoustic’’. Para acompanhá-lo recrutou músicos tradicionais do Oeste da África e misturou com uma base Ocidental (violões, teclado, baixo, n´goni, percussão e bateria).   

Sua música é eminentemente dançante. Assim como a de keita, é de sonoridade baseada no afro pop, mas com estrutura mais simples e repetitiva. É o tipo de música para se escutar com o corpo, balançando bastante. E foi o que o público francês continuou a fazer nesse segundo show.

Ocorre que, para além dessa perceptível platitude criativa, Tikken se faz acompanhar de um agudo discurso militante, em francês. 

Não deixa de gritar ‘’Rastafári!’’ entre uma música e outra e de apresentar idéias-força como: ‘’O Colonialismo não pode ser esquecido para que as crianças saibam por que as coisas são como são’’, ‘’O Continente africano é um paradoxo de riqueza natural e de pobreza do povo’’, ‘’A Juventude da África tem de ficar na África’’, e por aí vai.

No Chapiteu cabem seis mil pessoas, e estava quase lotado ontem à noite. Havia cerca de 30 jovens costamarfineses que foram ao show para ver de perto Tikken, mas ficaram a pelo menos 50 metros do ídolo. 

Acompanhavam cada música, gritavam, acenavam, mas não chegaram a ser notados pelo cantor militante. 

Entre eles e Tikken havia pelos menos qutro mil brancos com grana sufuciente para ocupar os melhores espaços da grande tenda do espetáculo.  

Na última noite de julho do Festival de Marciac, ficou provado que a música que vem da África não se escuta sentado.  

PROGRAMMATION CHAPITEAU

Texto de Carlos Dias Lopes é músico e jornalista.