Marciac noites do Brasil - Site Cultura Alternativa

Marciac noites do Brasil

Nas duas noites finais do 47 Festival de Jazz de Marciac (JiM) o palco pricipal foi entregue ao talento de quatro artistas brasileiros. 

Lembrando que 2025 é o ano do Brasil na França (visando estreitar a relação entre os dois países em áreas como negócios, turismo, educação e cultura), pontuado por vários eventos que mostram a variedade e o vigor de nossa Cultura aos franceses. Muita música incluída, é claro!

Assim, já passaram pelo Chapiteau Carlos Malta & Pife Muderno, Casuarina e Andrea Ernest Dias Quarteto.

Esta semana foi a vez dos ícones Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal, do virtuose Hamilton Holanda e da estrela ascendente Amaro Freitas, numa parceria curatorial do JiM com o MIMO Festival.

O que aconteceu em Marciac em 2025

Jazz in Marciac Dabeull e Meute
Marciac 2025

Marciac noites do Brasil

Hamilton ganha a platéia

Na quarta-feira à noite, um dos menores públicos do festival (cerca de mil pessoas) assistiu o concerto do brasiliense Hamilton de Holanda. 

Era a quarta vez de Hamilton no festival. Aquele que é considerado o inventor do bandolin contemporâneo, mostrava o repertório do seu último disco, gravado ao vivo em Nova Iorque, em 24.

Ao lado de Salomão Soares no teclado e Thiago Rabello na bateria, Holanda começou discreto, tocando seu soft jazz infiltrando melodias tupiniquins aqui e ali, ao que a platéia respondia com alguma frieza. 

Mas aos poucos o trio foi se soltando, o bandolinista passou a pedir (sendo atendido) a participação da platéia com lararás e ohohohs e, ao final, ganhou de vez a simpatia dos espectadores. 

No bis, tocou o clássico “Chega de Saudade” sendo acompanhado por um coro numeroso de franceses cantando em português sem vergonha do forte sotaque.

Hamilton é uma virtuoses confirmada. Tem domínio incrível do instrumento mas fica evidente ao longo de um show como o de Marciac que o bandolinista se esforça para domar o instrumento dentro das fronteiras estéticas do soft jazz à americana. 

Talvez os estrangeiros não o percebam mas é nítido o ganho em riqueza melódica e harmônica nas oportunidades em que Hamilton coloca as possibilidades de seu talento e de seu instrumento a servíço da música brasileira. 

Foi assim quando tocou “Chega de Saudade” e “Menina Liza”, de Hermeto.

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Carlos Dias Lopes

Egberto é estupefiante

Egberto é talvez a maior referência de grande músico do Brasil atual. Aquele que é considerado o herdeiro de Heitor Vila Lobos é unanimidade internacional quando se fala de junção do clássico, do contemporâneo e do folclorico. 

Em Marciac ele se apresentou ao lado do talentosíssimo violonista Daniel Murray, expoente da nova safra de músicos, notório por sua criatividade, técnica e sensibilidade transbordantes. 

Egberto subiu em cena com 15 minutos de atraso, explicou que alguém do seu círculo pessoal tinha falecido e que, por isso, se apresentaria abalado.

Atacou três composições ao piano, entre as quais “Miudinho”, de Vila Lobos. E com essa abertura, solitário sobre o palco,  parece ter retomado o controle dos nervos.

Com Daniel no palco, revezando hora duo piano-violão, hora duo violão de 10 cordas-violão de 6 cordas, a apresentação passa a ser assombrosa do ponto de vista do que músicos de elevadíssimo nível são capazes. 

É um duelo de sonoridades e ritmos que misturam com grande arrojo estruturas de música clássica, de jazz e de elementos regionais e do folclore brasíleiro. 

No meio da apresentação o público está espantado com a profusão de ritmos, harmonias e melodias que Egberto e Daniel conseguem tirar de seus instrumentos. 

E tem percussão também, que os dois se revezam fazendo nas respectivas caixas acústicas de seus violões. 

Egberto e Daniel criam instantes sublimes. 

Em determinado momento a sensação é de que se desafiam, para ver quem vai msis longe em ousadia técnica e criativa. É assim até a nota final. Literalmente! 

Quando após um silêncio ritmico prolongado, os dois terminam seus trechos de arranjo com a mesma nota aguda suspensa à eternidade.

A dipla tem de voltar para um bis. Após o qual encerram a apresentação deixando a pletéia querendo mais. 

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Amaro é jazz

Com igual público minguado, na última noite do festival se apresentaram o pianista perrnambucano Amaro Freitas e o bruxo Hermeto Paschoal.

Amaro tocou repertório baseado em seu disco “YY”, em que volta seu olhar artístico para a Amazônia. 

Pianista de mãos muito rápidas, ele encadeou uma dúzia de composições com influência do regionalismo brasileiro, derivando para o que chama de afrojazz.

Acompanhado pelo baterista Rodrigo Braz e pelo contrabaixista Sidiel Vieira,  Amaro reproduz em cena um jazz de forte influência norte-americana. 

Em formato e performance. As referências tupiniquins estão lá, mas um tanto quanto diluídas, ao menos na apresentação de Marciac. 

A platéia ficou satisfeita, mas foi antes a apresentação de um brasileiro tocando jazz do que uma apresentação de jazz com forte acento brasileiro. 

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Hermetô!

Bem diferente foi a apresentação do sexteto do bruxo Hermeto Pascoal, que fechou o festival. 

Hermeto era, de longe, o brasileiro mais aguardado do JiM. Aos 89 anos, entra em cena de cadeira de rodas e bambona de oxigênio. 

Está combalido! Auxiliado pelo empresário, acomoda-se atrás de um teclado, que não chega a tocar. Mas isso pouco importa para os franceses, que vibram só de tê-lo dividindo o mesmo espaço. 

De seu posto de observação privilegiado, fica atento a todos os movimentos de seu inflamado grupo, formado por Jota P (sax e flauta),se filho Fábio Pascoal  (percussão), André Marques (piano), Ajurinã Zwarg (bateria) e Itiberê Zwarg (baixo). 

O mínimo que se pode dizer desse sexteto é que tem borogodó. Atacam um jazz com groove e swing, criando uma camada sonora densa que, aos poucos, vai ganhando forte acento nordestino, com a incorporação de ritmos forrózzísticos. 

Tudo o que o sexteto toca foi comoposto e arranjado por Hermeto. Ali pela quarta música, começam as feitiçarias radicais do bruxo. 

Primeiro, entra em cena uma chaleira amassada, que ao ser assoprada por Hermeto incorpora-se  ao arranjo como uma espécie de sax “resfriado”. 

Depois ele se serve de um berrante para ornamentar a barafunda regionalisada que o sexteto  impõe sem piedade à platéia. 

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No meio do show, bebe de um copo transparente um líquido incolor, o qual explica ser a cachaça brasileira que tanto adora. Os franceses estão incrédulos. 

A chaleira volta à cena em outras músicas. Mas o que mais provoca a admiração do público  nessa noite é o som engraçado emitido por dois animais de borracha (um porco e uma vaca), que são parte do kit de percussão de Fábio. 

A idéia de incorporá-los a um sofisticado trecho jazzístico foi do genial Hermeto, óbvio. Nessa altura da apresentacão, é fácil notar que os franceses já se sentem recompensados pelo pouco que Hermeto foi capaz de lhes mostrar até ali estando na condição em que está. 

Mas tem mais, o sexteto começa a inflamar a platéia em vibração e o Chapiteau vai se transformando num imenso forró. 

Parte do público se aglomera em frente a um dos telões e sacode o corpo do jeito que dá até o fim da apresentação, encerrada com um tema meio coco meio junino a dois pandeiros (base e solo) , triângulo e flauta.

Hermeto fica de pé, agradece o entusiasmo da platéia, volta  para a cadeira de rodas e desaparece deslizando, seguido por seus cinco companheiros de “animação de baile”. 

No anfiteatro, os  franceses aclamam: “Hermetô! Hermetô! Hermetô! 

Volto prá casa pedalando minha bicicleta! 

É uma da madruga. Ainda não  “Sextou” no Brasil, mas já “Hermetou” na França. 

Texto de Carlos Dias Lopes é músico e jornalista.