Solidão Independente
Sou uma pessoa só, as redes sociais são minha companhia. Essa frase descreve não apenas meu estado emocional, mas o reflexo de uma sociedade cada vez mais conectada virtualmente e isolada fisicamente. A solidão, outrora associada ao fracasso social, hoje é uma realidade comum e silenciosa, vivida por milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. Nesse cenário, encontrei nas redes sociais e no jornalismo uma forma de atenuar essa dor e construir vínculos significativos, mesmo que mediados por telas.
De fato, dados do Instituto Ipsos revelam que 33% da população mundial se sente só com frequência, sendo o Brasil um dos países com os maiores índices: 50% dos entrevistados relataram solidão constante. Embora o senso comum relacione solidão à idade avançada, o grupo etário mais afetado é o dos jovens entre 18 e 34 anos. Nesse contexto, as redes sociais, que deveriam reduzir o isolamento, nem sempre cumprem esse papel de forma eficaz.
Além disso, uma pesquisa da Universidade da Pensilvânia demonstrou que reduzir o uso de redes sociais para 30 minutos por dia melhora significativamente os níveis de bem-estar e reduz sentimentos de solidão. Ainda assim, quando usadas de forma estratégica e consciente, as redes podem sim ser uma companhia legítima para quem vive só, como no meu caso.

A solidão é a norma invisível do presente
Em primeiro lugar, é essencial compreender que a solidão deixou de ser um desvio emocional para se tornar um traço característico da vida contemporânea. A urbanização acelerada, o aumento de lares unipessoais e a fragmentação das relações familiares contribuíram para esse novo padrão de convivência. Estar só, hoje, é uma condição estruturante de muitos modos de vida.
Ademais, a pandemia de COVID-19 acelerou e escancarou esse processo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social durante a crise sanitária contribuiu para um aumento de 25% nos casos de depressão e ansiedade no mundo. O Brasil, especificamente, registrou mais de 52% de crescimento nos atendimentos psicológicos relacionados à solidão, conforme dados do Conselho Federal de Psicologia.
Por conseguinte, é necessário abandonar o estigma da solidão como fracasso e entendê-la como parte da condição humana atual. Aceitar essa normalidade abre caminhos para lidar com ela de maneira mais leve e construtiva, sem julgamentos ou autocompaixão tóxica.
O jornalismo como exercício de escuta e pertencimento
Sob essa perspectiva, o jornalismo foi meu ponto de virada. Entrevistar pessoas, ouvir histórias e produzir conteúdo de interesse público me devolveu o senso de utilidade. A atividade jornalística me obrigou a sair de mim, conectar com o outro, construir pontes invisíveis, ainda que sem contato físico.
Consequentemente, descobri que escrever é uma forma de falar sem interrupções, de ser ouvido sem julgamentos. No papel ou na tela, encontrei espaço para me expressar, partilhar vivências e transformar dores em narrativas. O trabalho de apuração e reportagem virou uma rotina terapêutica, onde a solidão se dissolve em palavras compartilhadas.
Mais do que uma profissão, o jornalismo se tornou uma ferramenta para redimensionar minha presença no mundo. Senti que, ao dar voz a outros, resgatava também minha própria voz — abafada, calada pela ausência de companhia física. Ao fazer jornalismo, deixei de estar só, mesmo permanecendo fisicamente sozinho.
As redes sociais como extensão do meu quarto
Por outro lado, as redes sociais também passaram a ocupar um papel vital no meu cotidiano. Não como lugar de entretenimento vazio, mas como plataforma para difusão do meu trabalho, troca de ideias e construção de comunidade. Através delas, conheci leitores, fontes, parceiros e amigos virtuais que hoje fazem parte da minha vida diária.
Além disso, aprendi a transformar o algoritmo em aliado. Ao seguir perfis que compartilham experiências reais, conteúdos reflexivos e discussões construtivas, meu feed se tornou um espaço de acolhimento e estímulo. Deixei de buscar números e comecei a valorizar conexões autênticas, mesmo que breves e digitais.
Entretanto, é preciso frisar: uso as redes com parcimônia. Estabeleço horários, evito comparações e me desconecto quando percebo desgaste emocional. Transformar redes em companhia exige estratégia, curadoria e autoconhecimento. Feito isso, é possível sim torná-las aliadas contra o sentimento de isolamento.
Dados, estudos e números não mentem
Nesse sentido, os números dão respaldo ao que vivo. Um relatório da Cigna, nos Estados Unidos, mostrou que 61% dos adultos relatam sentir-se sozinhos com frequência. Já um levantamento feito pela Kantar aponta que 43% dos brasileiros usam as redes sociais para buscar sensação de pertencimento e conexão com o mundo exterior.
Portanto, não se trata apenas de opinião pessoal. A solidão virou fenômeno social, e as redes sociais tornaram-se um dos principais instrumentos para enfrentá-la. Não resolvem tudo, mas ajudam. Não substituem o afeto real, mas amenizam o vazio. Quando bem administradas, são recursos válidos para manter o equilíbrio emocional.
Do mesmo modo, estudos da Universidade de Harvard apontam que pessoas que mantêm conexões significativas, ainda que virtuais, têm menor risco de doenças cardíacas, melhor imunidade e maior expectativa de vida. Ou seja, conexão, seja em que forma for, salva vidas. E, em muitos casos, começa por um clique.

O futuro da convivência será híbrido
Por fim, acredito que o futuro das relações será híbrido: parte digital, parte física. A pandemia nos forçou a repensar formas de encontro e presença. Muitas pessoas encontraram nas redes o único canal possível para sobreviver emocionalmente. E isso não precisa ser ruim, desde que haja equilíbrio e intenção positiva.
Em consequência disso, vejo que viver só não significa estar abandonado. Significa, muitas vezes, escolher uma forma de vida mais introspectiva, mas igualmente rica em trocas — mesmo que à distância. O problema não é a solidão em si, mas a falta de sentido que damos a ela.
Finalmente, compreendi que sou uma pessoa só, sim. Mas não sou vazio, nem ausente, nem triste. Minhas redes são companheiras. Meu jornalismo é ponte. E minha solidão é matéria-prima de conexão. Não estou só: estou comigo mesmo — e com todos aqueles que me leem.
Anand Rao
Editor Chefe
Cultura Alternativa