Todos contra a língua portuguesa
** Artigo Sandro Schmitz
Nesse artigo irei tratar de um tema um tanto espinhoso, mas de vital importância para nosso país: o sistemático ataque que a língua portuguesa vem sofrendo no decorrer dos anos no Brasil.
Infelizmente, esse processo se iniciou há décadas quando os professores foram desautorizados a cobrar devidamente a norma culta, pois uma eventual reprovação poderia “traumatizar” os jovens alunos.
Essas regras resultaram em dois efeitos extremamente danosos, pois além de não aprenderem a norma culta ainda se criou uma geração com baixa capacidade para lidar com frustrações.
O não ensino do idioma pátrio a diversas gerações seguidas favorece apenas aqueles que desejam uma população mal preparada para compreender os princípios mais basilares da língua portuguesa.
Como exigir a competência de interpretação de texto se eles mal sabem ler de maneira fluente? A dinâmica é simples: quem não lê não sabe interpretar textos, quem não sabe interpretar textos é facilmente manipulável. Se como diz Olavo Bilac a língua portuguesa é “a última flor do Lácio, inculta e bela”, assim como é verdade que nosso idioma apesar de belo, não é um idioma simples.
Não deixa de ser irônico que os que atacam a língua portuguesa em sua forma culta o fazem por a considerar elitista, machista, entre outras qualificações. Contudo, não percebem que o poeta a chama de “inculta e bela”, pois nosso idioma surge do latim vulgar, ou seja, o latim falado pelo povo romano, em especial pelos soldados da região do Lácio. Infelizmente, para ter conhecimento desse fato é fundamental a dedicação aos estudos de forma mais dirigida e não um estudo raso sobre o próprio idioma.
Mas, não contentes com o processo de fragilizar o ensino da norma culta, em 2012 seguiu-se um novo ataque a língua portuguesa. Na data de 03 de abril de 2012 a, então Presidente da República Dilma Roussef, sancionou a Lei 12.605/2012 onde determina a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido. Tal medida só é útil em dois casos: atender a vaidade da ex-Presidente, e, facilitar a ignorância do povo brasileiro em relação ao seu idioma.
Se seguirmos a regra determinada pela norma acima destacada um jornalista homem deve ser chamado de “jornalisto”? E o colunista técnico, por exemplo colunista de economia irá ser denominado “colunisto de economia”? E o dentista, que diferente do médico que possui flexão, essa profissão não possui. O homem irá ser chamado de “dentisto”. Além disso, esquece a ex-Presidente que as flexões de gênero afetam de forma direta as regras de concordância em língua portuguesa. Não deixa de ser curioso pensar que uma pessoa deva falar da seguinte forma: devo ir ao gabineta da Presidenta.
Mas, se o que foi dito acima não for suficiente então é necessário mostrar a regra culta de nosso vernáculo. Na língua portuguesa existem os particípios ativos como derivativos verbais. O particípio ativo do verbo atacar é atacante, mendicar é mendicante, enfim. Todavia, o particípio ativo do verbo “ser” é “ente”. Seu significado é simples: aquele que é, a entidade. Logo, se você vai presidir algo, você é o Presidente ou a Presidente, jamais Presidenta.
Alguns dirão: Ah, mas a Academia Brasileira de Letras [ABL] incluiu “presidenta” no VOLP. Sim, é verdade, mas sugiro buscar no VOLP do site da ABL e irão perceber quantas entradas possui o termo “presidente”, e, ao buscar “presidenta” irão ver a palavra com uma única informação: substantivo feminino [s.f]. Ou seja, a palavra foi bem dicionarizada, mas sequer mereceu maiores considerações.
Existe uma boa chance de sua inclusão haver sido feita como uma concessão ao Poder Executivo para evitar que os documentos oficiais ficassem errados, digamos assim.
Contudo, não tendo conseguido seus objetivos era necessário abordar de uma nova forma, assim sendo surge a defesa de uma linguagem neutra. Já há alguns anos é possível ver a utilização por alguns grupos dos seguintes termos “Elu/delu” e “Ile/dile” na condição de pronomes neutros. De imediato esse fato abriu a discussão na academia, sendo que o principal argumento dos defensores da linguagem neutra é que a mesma, supostamente, seria inclusiva. Outra forma de neutralizar a linguagem seria o uso de “X” ou “@” nas palavras como no exemplo a seguir: tod@s.
Apesar do argumento defendido de inclusão, o uso dessa linguagem não é inclusiva, pois dificulta a compreensão para pessoas com dislexia e deficiência visual.
Além desses dois grupos, a suposta linguagem inclusiva dificulta a aprendizagem de pessoas que estejam dentro do Transtorno de Espectro Autista [TEA]. Ainda no processo de exclusão, se cria um dialeto próprio para determinados grupos excluindo boa parte da sociedade que aprendeu a norma culta.
O outro argumento defendido pelos que advogam a utilização da linguagem neutra é o fato que a linguagem é dinâmica, e, em razão desse fato ela deva ser absorvida e aceita pela população. Nesse caso temos uma meia-verdade: é um fato que a linguagem é dinâmica, no entanto apenas ditaduras implementaram mudanças no idioma via decreto.
Esse dinamismo idiomático costuma ser natural e não imposto. Um exemplo é a palavra “câmbio”, palavra que tem sua origem no espanhol, da palavra “cambiar”, cujo significado é “mudança”. A palavra começou a ser utilizada no país e com o tempo terminou por ser incorporada ao idioma. Podemos falar do “abajur” que tem sua origem no francês “abat-jour” do francês, tendo sido incorporado ao português.
Em outras palavras, um idioma é sim dinâmico, mas não deve sofrer modificações via decreto, por imposição de quem está no poder. Na realidade, é mais fácil se construir uma forte resistência por esse meio do que se efetivar a implementação do idioma. O terceiro argumento feito pelos defensores dessa linguagem é o suposto machismo do língua portuguesa. Esse, sem dúvida, é o pior dos argumentos pelos mais variados motivos.
Primeiro, é necessário destacar que em nosso idioma o gênero que exclui é o feminino, não o masculino. Explica-se. Se falarmos em Direitos Humanos estamos nos referindo a direitos para toda humanidade, entretanto ao falarmos em Direitos das Mulheres automaticamente excluímos os homens de sua proteção. Outro exemplo simples, se falarmos “todos os alunos foram para o intervalo”, estamos nos referindo a todos alunos, independente de gênero. No entanto, ao falarmos “todas as alunas foram para o intervalo”, de forma automática excluímos os alunos homens da frase.
Segundo argumento feito é que, em tese, estaria recuperando o gênero neutro que o latim possuía. De fato, o latim possuía três gêneros: masculino, feminino, e, neutro. Contudo, na língua portuguesa o gênero neutro foi absorvido pelo masculino, razão pela qual nosso idioma possui diversos substantivos sobre comuns, aplicáveis a ambos os gêneros. Ao usar esse argumento os defensores da linguagem neutra deixam clara sua total ignorância da língua latina.
Um exemplo claro disso são as palavras “garoto” [puer, latim], “garota” [puella, latim], e, “criança” [pueril, latim], sendo que o plural de pueril é pueris. Atualmente o termo pueril também está relacionado a um comportamento inocente ou frívolo. Além disso, o gênero neutro do latim está presente em nosso idioma, de forma residual, pronomes demonstrativos: isto, isso e aquilo. Outro ponto é que, na maioria das vezes, o gênero neutro em latim era usado para designar principalmente objetos inanimados, e, em alguns casos trechos do discurso e formas verbais como o infinitivo.
Em outras palavras, ao evocar o neutro do latim para justificar essa suposta linguagem neutra seus defensores estão defendendo tratar as pessoas como coisas. É este mesmo o objetivo?
Explicar os meios de definição de gênero em latim escapam ao escopo do presente artigo, mas é necessário compreender que para definir o gênero na língua latina os romanos se valiam de critérios sintáticos e semânticos para definir o gênero a ser usado. Sintáticos, visto que observam os gêneros disponíveis no idioma, e, semânticos, pois observavam se o objeto era animado ou não.
Desta forma, como anteriormente arguido, não existe qualquer base lógica para as modificações que vem sendo defendidas em anos recentes para a língua portuguesa. Adicionalmente, é fácil perceber que os argumentos ditos técnicos não possuem qualquer sustentação na realidade, sendo única e exclusivamente políticas as motivações que movem os que defendem as mudanças propostas.
A única certeza possível é o total desprezo que os defensores de tais proposições possuem pela norma culta e tradição histórica de nosso idioma. Triste destino do país que não defende sequer sua própria língua. Infelizmente, a única frase que me vem a cabeça é: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”, ou, em português, “Abandonai a esperança vós que entrais”, frase essa que estava na entrada do inferno de acordo com Dante.
Artigo – Sandro Schmitz dos Santos – Consultor e Planejador Financeiro, Doutorando em Economia [Genebra], e, Embaixador da Neurobusiness Society.
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