Portugal, terra “fixe e gira” mas de língua complicada
O leitor não me chame de maluco. Mas, se teve dificuldade de entender a frase acima ( os adjetivos significam legal e bonita) que abre este texto sobre nossas diferenças linguísticas em relação a Portugal, siga a recomendação: antes de viajar estude o português dos portugueses _muito diferente do nosso, que se transformou em outra língua em virtude de tantas influências de culturas de povos diversos, como índios e africanos.
Saiba que não é nada fácil “perceber” ( para eles, significa entender) o que falam “consigo” daquele jeito estranho, com a boca meio fechada, quase engolindo as palavras como se estivessem rosnando mensagens para eles mesmos _ e não para nós.
Na última semana estive em Portugal pela primeira vez. Um sonho que alimentava desde os tempos de criança. Uma viagem maravilhosa, mas com muitos percalços na comunicação…
Foram dez dias de tentativas frustradas de interação verbal, depois de visitar palácios, catedrais , castelos, quintas, “tascas” (onde a gente bebe um vinho sempre delicioso). E cheguei à conclusão de que precisamos estudar em nossas escolas, como disciplina obrigatória, o português de Portugal. Ou então que a gente desista de conhecer aquele país fantástico.
Vamos aos fatos. Sempre que algum português ou portuguesa me dizia que algo custava sete euros, abria as orelhas e perguntava: sete ou dezessete? “Dezassete” não! Sêt… sêt… respondiam engolindo o “e” final, oclusivo, com uma má vontade indisfarçável. Certamente me consideravam um turista chato e ignorante, que não aprendeu a lidar direito com a língua-mãe.
Para ser sincero, confesso que muitas vezes, contrariado, tive que fazer a lamentável e politicamente incorreta pergunta ser entendido por eles: “Do you speak english?
Logo que chegamos à paradisíaca cidade do Porto, minha amiga Verônica Pedra, brasileira que mora lá, nos ofereceu um curso intensivo sobre as principais expressões que deveríamos usar em nossos passeios desacompanhados, a fim de não passarmos vergonha como estrangeiros alienados. “Cuidado, eles acham que os burros somos nós” _ advertiu.
Numa lição inicial, indagou se sabíamos o que significa o aviso: “ os peões devem utilizar a passadeira”. Depois de boas risadas, explicou que peões são pedestres e passadeira é o “sítio” (lugar) que chamamos de passarela. Que eles chamam fila de “bicha” a gente já sabia, mas parece que eles já aceitam agora admitir que fila seja fila mesmo.
Lembrou-nos também nossa boa anfitriã que jamais deveríamos chamar uma “menina” portuguesa de “moça”, pois isso significaria para eles “vagabunda, puta”.
Poderíamos chamá-las também de” raparigas”, como muitos brasileiros chamam nossas garotas de programa. Já os nossos garotos por lá podem ser chamados de “putos” quando pequenos. Se crescerem o vocábulo “puto” já não lhes servem mais pois aí já seria puto mesmo, como conhecemos.
Em virtude de tantos desencontros semânticos fomos até “multados” no metrô da cidade porque não conseguimos entender bem as instruções que nos foram dadas por uma “rapariga” que nos instruíra no uso da máquina para mudar o cartão de embarque de uma zona para outra.
O certo é que minha mulher, abalada, pedira desculpas à rigorosa fiscal chamando-a de “moça”, várias vezes, despertando gargalhadas no “comboio” (trem) lotado. Um incidente nada diplomático, que acabaria nos gerando uma “coima” de 60 euros, para cada um de nós, “agentes da contraordenação” .
Saímos de lá constrangidos, humilhados . Optaríamos a nos deslocar por “autocarros (ônibus) ou táxis _ dirigidos por motoristas geralmente caladões. Um deles, no entanto, com a língua bem afiada, em dez minutos de trajeto quis nos dizer o que faríamos em cada dia de viagem a Portugal… não entendemos foi quase nada!
Para evitar novas trapalhadas, o cordial namorado da minha amiga brasileira me ensinou lições que achei bem interessantes. Por exemplo, você pode falar publicamente por lá que sente dor no cu, pois cu em Portugal é bunda _ e bunda é que é nosso popular cu. Que unificação da língua é essa que troca cu por bunda e vice-versa?
Também achei bem curioso como os portugueses usam a criatividade na escolha de nomes de cidades , bairros, lojas. Uma das “paragens” do Metro ( é assim mesmo, sem acento) é no “Senhor Roubado” O termo seria uma homenagem ao eternamente roubado povo brasileiro ou aquele senhor fora apenas vítima de “carteiriiiistas _ como denominam os batedores de carteira?
E o que dizer da loja “Indiferente”. No Brasil quem gostaria de comprar alguma coisa num local que admite ser igual aos outros? E quando o garçom nos pergunta se a água que pedimos deve ser “natural ou fresca” (gelada )?
Assim, o meu “fino” (chope) teria que ser também bem fresco… e na hora de pedir uma taça de vinho em vez de “taça” deveria pedir um copo, pois taça lá é pra comer doce ou tomar sorvete, conforme me ensinou um garçom paciente. Na escolha do prato individual a opção correta para não sobrar comida é pedir “meia dose”… sim, dose lá é porção, não tem nada a ver com bebida.
Encerro essas reflexões lembrando um episódio cômico em nossa viagem de volta num avião da TAP. Um prestativo comissário de bordo e eu protagonizamos aquele que seria o último incidente causado pela má interpretação de nossas línguas distintas.
Reproduzo fielmente o diálogo confuso, para que não me chamem de mentiroso:
_ O que o senhor deseja beber?
_ Espumante!!!
De imediato, me entregou uma bebida grossa e avermelhada, que ainda provei para me certificar se era um tipo novo do produto chique, que quase não podemos consumir no Brasil por causa do preço. Indaguei, com uma cortesia irônica:
Perdão, mas o que é isso, senhor?
_ “Sumo” de tomate”… como o senhor pediu.
_Eu pedi es-pu-man-te! _ respondi, enraivado.
_E o senhor ainda provou? Morrera de rir o miserável do portuga, antes de me encher o copo do espumante, finalmente. Era a celebração da paz.
*Zildenor Dourado é jornalista e cronista
Além das praias, motoristas do Uber são um show em Floripa, por Zildenor Dourado.