Festival Jazz in Marciac
Jazz in Marciac: Marsalis, pianos, creole e crowd-surfing
O Cultura Alternativa continua acompanhando a 44 edição do Festival ‘’Jazz in Marciac (JiM)’’, na França.
Trata-se do maior festival do gênero musical norte-americano em território francês, e se encerrou na madrugada de 7 de agosto.
Antes de continuar a ler passe pelo primeiro post que o Carlos nos escreveu de lá
Maior festival de jazz da França dura 16 dias e reúne nomes consagrados
Marciac, pequena cidade da 1.200 habitantes, localizada na região da Occitania (Sudoeste francês), recebe 32 concertos de pop, rock, soul, R & B e jazz sobre a cena principal, além de centenas de outras apresentações menores e espontâneas, em cafés, bistrôs, praças, ruas e becos.
Em Marciac durante o festival, não existem problemas no mundo, só a liberdade do Jazz a guiar a existência humana.
Na terça-feira à noite, dia 26 de julho, apresentaram-se no Chapiteau, cena principal do evento, o pianista canadense Chilly Gonzales e o baixista norte-americano Marcus Miller.
O primeiro é um pianista de formação clássica que se converteu em showman ao longo da carreira. Suas apresentações são sempre surpreendentes, insólitas e, às vezes, patéticas. Chilly sobe ao palco do Chapiteau acompanhado de um restrito grupo multiétnico de músicos.
Até aí, nada de original. Mas veste um peignoir e pantufas. Ataca ao piano canções de arranjos jazzísticos, sobre as quais canta caricaturalmente letras que podem ser engraçadas ou melancólicas.
Provoca todo o tempo a plateia com frases do tipo ‘’É a última vez que eu me apresento na França’’. No meio do show, resolve imitar Iggy Pop e fazer um crowd-surfing. Mas Gonzalez não é magro como Iggy nem o público classe média francês é igual ao público rocker americano.
A plateia não adere, e Chilly termina a música ‘’C´est wonderful de prendre um bain de foule’’ estatelado no piso de madeira do Chapiteau. Carregado de volta ao palco acaba seu bizarro espetáculo suado como um pizzaiolo em volta de um forno. Mas é ovacionado e volta, um pouco mais sério, para o bis. É um bom pianista, mas escolheu entreter plateias como caminho para se diferenciar dos demais bons pianistas.
O segundo show da noite, é o do super baixista Marcos Miller. A lista de estrelas a quem Miller já emprestou seu enorme talento vai de Michael Jackson a Frank Sinatra, de Elton John a Aretha Franklin. Então o mínimo que a plateia pode esperar é… a perfeição.
Será um daqueles espetáculos de grande apuro técnico, que sobretudo outros músicos adoram assistir. O baixista sobe ao palco acompanhado por metais, teclado, sintetizadores, bateria e guitarra.
O instrumentista novaiorquino domina à perfeição o senso do ritmo, e seus sleps e touchs são de arrancar onomatopéias de admiração. No bis, levanta a plateia com uma versão groveira e arrebatadora de ‘’Come Togheter’’, dos Beatles. E acaba tendo de voltar para um segundo.
Na quarta-feira à noite (dia 27) outro consagrado nome do jazz norte-americano ocupou o palco principal do JiM. Foi ninguém menos que Herbie Hancock, uma lenda das teclas. Aos 82 anos, o ex-parceiro de Miles Davis se apresenta em grande forma.
Comunica-se longamente com a plateia, toca vários instrumentos, variando entre o piano, o teclado e os sintetizadores, canta e lidera um grupo formado por grandes músicos, entre os quais o trompetista e tecladista Terence Blanchard.
Em se tratando de jazz, foi uma das melhores noites do festival. Herbie e banda tocaram longos temas, que incluíram músicas do cultuado disco ‘’Head Husters ‘’, lançado em 1973.
A plateia concentrada da noite pôde se soltar no bis obrigatório, quando foi agraciada com a dançante ‘’Cantaloup Island’’, cujos ataques iniciais de metais são conhecidos no mundo inteiro. Ninguém ficou sentado. Herbie partiu já era uma hora da madrugada, com o público querendo mais.
Na noite de segunda-feira, abrindo a programação do novo mês que se iniciava, quatro grandes pianistas ocuparam a cena do Chapiteau. Para tocar ao mesmo tempo, o que foi inédito no Jazz in Marciac.
Os franceses Baptiste Trotignon, Eric Legnini, Pierre de Bethmann, mais o sérvio Bojan Z se juntaram após a pandemia no projeto ‘’Piano Forte’’. O nome entrega a proposta: colocar em evidência absoluta o instrumento e a música que ele é capaz de produzir, procurando nuances entre os sons suaves e os mais incisivos. Os quatro se revezam entre a execução de dois pianos acústicos de cauda e dois pianos Rhode (piano com amplificação elétrica).
O simpático quarteto manteve a plateia atenta por quase duas horas de concerto, executando sempre com ‘’pegada jazz’’ composições de cada um dos quatro e de outros autores. Foi uma noite em que a música brasileira se fez bastante presente.
Entre as composições escolhidas para este espetáculo temático-instrumental estiveram ‘’Retrato em Branco e Preto’’, de Tom Jobim (e Chico Buarque) e ‘’Um Anjo’’, de Egberto Gismonti, nomes aclamados já quando do anúncio das músicas, e ainda mais ao final delas, devido ao apuro e inspiração em suas execuções por Trotignon, Z, Legnini e Bethmann, com extremo equilíbrio entre os graves e os agudos dos quatro instrumentos. Outro destaque foi a composição ‘’Chorinho’’, de Lyle Miers, tecladista de Pat Metheny desaparecido há dois anos. E ouve o momento ‘’prá todo mundo cantar junto’’ no bis, com a execução de ‘’We Are the Champions’’, do Queen. Com competência e sensibilidade, os quatro jazzistas provaram que sabem como escolher um repertório para agradar a plateia de Marciac.
A jovem pianista virtuose Hiromi subiu ao palco no último show da noite de 4 de agosto. A japonesa é um fenômeno de energia e brilho, misturando várias influências. Essas vão do jazz ao clássico, do rock ao pop, tudo com muita pirotecnia técnica e cênica.
Foram quase duas horas de um concerto marcado por seu martelar vigoroso de teclas, ritmos velozes e utilização de quase toda a amplitude cromática do piano, em agudos e graves. É seu estilo, e ela chega a cansar a audiência com tudo isso, pois junto vem um conjunto de movimentos corporais exacerbados.
O momento mais ‘’conservador’’ do show, foi quando Hiromi resolveu privilegiar a melodia, executando com doçura ‘’Black Byrd’’, dos Beatles. De toda forma, a plateia manifesta muito carinho por esta japonesinha simpática, que está em sua terceira participação no festival.
O Show da noite de encerramento foi até uma da madrugada de domingo, dia 07. Wynton Marsalis teve de voltar duas vezes para o bis. O padrinho do festival, fez um show um pouco mais barulhento que o anterior no mesmo festival e parecia estar se divertindo bastante. Wynton e os seis músicos que o acompanham tocam como se estivessem numa espelunca enfumaçada perdida em algum recôndito de Nova Orleans.
A banda inteira vai ‘’levando’’ os diferentes temas bem à vontade, deixando espaço aqui e ali para a exploração das melodias por um dos solistas dos metais, ora Wynton, ora o saxofonista e clarinetista Victor Gomez, ora o trombonista Chris Crenshaw. Banjo, piano, bateria e baixo também têm sua vez nesse revezamento camarada e generoso.
Antes dele, Don Vappie´s Jazz Creole se apresentou com especial destaque para o banjo melodioso de Vappie. Ele busca aproximar o jazz creole americano daquele das Caraíbas e da África. Seu show foi uma verdadeira mistura de culturas (citando até o brasileiro Pixinguinha) como só um gênero aberto e livre como o jazz pode proporcionar.
Marciac 2022 deixará saudades!
Artigo de -> Carlos Dias Lopes
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