Mudanças climáticas e o preço do café: entenda o impacto global
O café, uma das bebidas mais consumidas no mundo, está mais caro do que nunca.
Ao amanhecer, o perfume do café moído se espalha pelas cozinhas do país.
É ritual, conforto, memória. Mas esse hábito nacional passou a pesar no bolso: o café moído teve um aumento de 80,2% nos últimos 12 meses, a maior alta desde o início do Plano Real em 1994, segundo o IBGE.
A inflação dos alimentos se intensifica, e o café, protagonista das manhãs brasileiras, torna-se símbolo de um cenário mais amplo e preocupante.
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Mudanças climáticas e o preço do café:
Muito além da xícara: os fatores por trás da alta histórica
A elevação nos preços não acontece por acaso. Um dos principais motores é a chamada bienalidade negativa — uma alternância natural na produtividade das lavouras de café, em que um ano de safra alta é seguido por outro de menor rendimento.
Em 2025, a produção de café arábica caiu 10,6%, de acordo com levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Foram 2,1 milhões de toneladas colhidas — ou cerca de 35,8 milhões de sacas de 60 kg.
Além disso, o clima extremo se impôs como protagonista silencioso e implacável. Enquanto o Sul do país enfrentava chuvas intensas, o Norte e o Nordeste lidavam com secas prolongadas.
Esses desequilíbrios, intensificados pelo fenômeno El Niño, impactaram diretamente a agricultura, da lavoura de feijão ao pé de café.

Mudanças climáticas e o preço do café:
Cenário global e o peso do dólar
Se os problemas climáticos já seriam suficientes para pressionar a oferta, a conjuntura internacional agravou a situação.
O dólar valorizado tornou o café brasileiro ainda mais atrativo no exterior, incentivando a exportação. Menor oferta interna, maior competição: o resultado foi um aumento generalizado de preços nos supermercados.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), o café arábica chegou a ser negociado por R$ 1.100 a saca em abril — quase o dobro do registrado no mesmo período do ano anterior.
Do produtor ao consumidor: quem sente mais?
A disparada nos preços afeta toda a cadeia, mas o impacto não é distribuído de forma igualitária. Pequenos produtores, por vezes sem acesso a tecnologias de armazenamento ou seguro agrícola, enfrentam riscos maiores em safras irregulares.
Já as famílias de menor renda sentem diretamente no carrinho de compras: a inflação dos alimentos acumula alta de 7,68% no ano, pressionando sobretudo os produtos básicos.
Nas periferias das grandes cidades, o aumento não se limita ao café: arroz, leite, açúcar e óleo também encareceram. Isso força adaptações, como a substituição por marcas mais baratas ou mesmo a redução do consumo.
Mudanças climáticas e o preço do café
O café e a cultura: memória que dói no bolso
Mais que uma commodity, o café ocupa lugar afetivo e simbólico na vida brasileira. Está presente na literatura de Jorge Amado, no cotidiano retratado por Cora Coralina e nas rodas de conversa nas casas do interior. É o elo entre o rural e o urbano, entre o trabalhador e a pausa do dia.
Ver esse símbolo nacional tornar-se um artigo de luxo para parte da população revela uma desconexão preocupante: nossa cultura alimentar, tão rica e plural, passa a ser filtrada pelo poder de compra.
E agora? Perspectivas para o café e o alimento no Brasil
As projeções para os próximos meses seguem incertas. Especialistas apontam que, se as condições climáticas melhorarem e o dólar se estabilizar, os preços podem recuar levemente.
No entanto, o contexto atual demanda mais que torcer por bons ventos: é necessário investimento em infraestrutura agrícola resiliente, políticas públicas de abastecimento e incentivo à agricultura familiar.
Alternativas como o uso de cafés orgânicos produzidos localmente ou o fortalecimento de cooperativas podem ser caminhos viáveis para reduzir a vulnerabilidade da cadeia produtiva. E, sobretudo, é preciso tratar o alimento como direito, e não apenas como mercadoria.
Por fim,
O café que desperta o Brasil todas as manhãs hoje serve como alerta. A escalada de seu preço não diz respeito apenas ao produto em si, mas revela um sistema alimentar exposto a choques climáticos, especulação e desigualdade.
É hora de repensar a cadeia do campo à xícara. Para que o café, símbolo tão nosso, não perca seu lugar — nem na mesa, nem no imaginário coletivo.
Será que estamos preparados para pagar o preço de nossas escolhas ambientais?
Anand Rao e Agnes Adusumilli
REDAÇÃO SITE CULTURA ALTERNATIVA
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