As Carreiras Universitárias Mais Ameaçadas pela Inteligência Artificial

As Carreiras Universitárias Mais Ameaçadas pela Inteligência Artificial: Reinvenção ou Extinção Acadêmica?

A inteligência artificial (IA) avança como um trem veloz sobre os trilhos do mercado de trabalho. 

Profissões que por décadas garantiram estabilidade estão agora sob risco de substituição por sistemas que escrevem, calculam, traduzem e decidem com precisão crescente. 

Em meio a esse cenário, surge uma dúvida inquietante: estamos formando estudantes para um mercado que talvez nem os acolha?

Tanto a OpenAI (com o ChatGPT) quanto a Google (com o Gemini) identificaram três áreas acadêmicas como mais impactadas pela revolução tecnológica: contabilidade tradicional, tradução genérica e jornalismo padronizado. 

Mas não se limitam a essas. Um levantamento do World Economic Forum reforça que cerca de 44% das competências profissionais precisarão ser atualizadas até 2027. 

A IA está deixando de ser coadjuvante e assumindo papéis centrais em diversas atividades.

Carreiras Universitárias

Contabilidade: Da Lápide Fiscal à Consultoria Estratégica

Durante anos, o contador foi símbolo de confiabilidade e precisão. No entanto, plataformas de gestão tributária, análise financeira e auditoria digital realizam, em minutos, tarefas que antes consumiam horas de trabalho. Grandes corporações, como a Morgan Stanley, já eliminaram centenas de cargos devido à automação.

Segundo levantamento da Deloitte, mais de 60% das grandes organizações norte-americanas já utilizam algoritmos para executar rotinas contábeis. 

No Brasil, soluções como ContaAzul e Omie crescem entre empreendedores justamente por oferecerem ferramentas que reduzem a dependência de escritórios especializados.

Isso não representa o colapso da profissão, mas sim uma mutação inevitável. O novo perfil de contador será o de conselheiro estratégico, capaz de interpretar cenários, antecipar riscos e orientar decisões com base em dados. O diferencial deixará de ser operacional e passará a ser cognitivo e relacional.

Tradução: Da Fluência ao Fino Ajuste Cultural

Durante muito tempo, falar línguas estrangeiras era sinônimo de vantagem profissional. Hoje, soluções tecnológicas como DeepL e Google Translate oferecem traduções em tempo real com qualidade surpreendente. Isso reduziu significativamente a procura por serviços linguísticos básicos.

Em 2022, a Harvard Business Review alertou que a tradução genérica se tornaria obsoleta diante das evoluções da IA. 

Entretanto, o mesmo estudo destacou que segmentos especializados — como o literário, médico, jurídico e publicitário — continuarão exigindo profissionais com domínio técnico e sensibilidade cultural.

Nesse cenário, tradutores devem buscar diferenciação. A localização de conteúdo, a adaptação criativa e a revisão de textos gerados por algoritmos são nichos em expansão. A tradução que exige nuance, contexto e intenção ainda pertence ao universo humano.

Carreiras Universitárias

Jornalismo: Da Máquina de Texto ao Relato Vivo

Nos últimos tempos, o jornalismo factual e automático — focado em coberturas rotineiras ou boletins esportivos — perdeu espaço para robôs redatores. 

Ferramentas como o ChatGPT produzem textos claros e objetivos em segundos, o que enfraquece o papel de profissionais que não agregam profundidade ou originalidade ao conteúdo.

Álvaro Liuzzi, especialista em tecnologia da informação e autor do livro Jornalismo IA, propõe uma reconstrução: “É hora de voltar ao território, de reconectar com a população e de recuperar a escuta ativa”. 

No Brasil, veículos como a Agência Pública têm investido em reportagens investigativas e narrativas autorais como contraponto à produção automatizada.

O comunicador do futuro será múltiplo. Saber usar IA será requisito, mas a essência estará no olhar humano, na escuta sensível e na habilidade de fazer perguntas que algoritmos jamais formulariam.

Direito e Administração: Reformulação à Vista

Além das três áreas mencionadas, o Gemini indicou duas formações que exigem reavaliação: Direito e Administração. 

No sistema judiciário de Buenos Aires, por exemplo, já se utilizam sistemas generativos para redigir sentenças de menor complexidade. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça estuda iniciativas semelhantes.

Já no campo da gestão, o uso de plataformas integradas — como Power BI, SAP e Salesforce — está transformando o papel do administrador. 

De executor de processos, passa a ser analista de dados, solucionador de problemas e articulador de estratégias.

Para continuar relevantes, essas formações precisarão incluir conteúdos sobre ética digital, inovação, negociação, governança e inteligência emocional

O administrador e o jurista que ignorarem a tecnologia terão dificuldades em se posicionar no novo panorama corporativo e jurídico.

Carreiras Universitárias

A Realidade Brasileira: Um Contexto em Adaptação

Apesar da ascensão das tecnologias, as escolhas universitárias no Brasil ainda refletem padrões tradicionais. Segundo o último Censo da Educação Superior, Direito, Administração e Pedagogia continuam liderando as matrículas. 

Ainda assim, formações como Engenharia de Software, Ciência de Dados e Análise de Sistemas têm ganhado espaço.

Instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) já inseriram disciplinas sobre inteligência artificial, pensamento computacional e direitos digitais em seus currículos. Isso sinaliza uma tentativa de preparar os alunos para um cenário profissional mais híbrido.

No entanto, esse movimento ainda é restrito aos grandes centros urbanos e universidades de ponta. Democratizar o acesso a essa transformação educacional é urgente para que estudantes de todo o país possam competir em condições equitativas.

Conclusão: O Fator Humano Ainda Importa

Não há mais como ignorar: a inteligência artificial veio para ficar. Ela já substitui humanos em tarefas repetitivas, mas não consegue — e talvez nunca consiga — replicar empatia, julgamento ético, criatividade e sensibilidade cultural. 

Profissões ameaçadas não são necessariamente profissões mortas. Mas precisarão se reinventar.

Cabe às universidades abandonarem currículos engessados e abraçarem metodologias interdisciplinares, voltadas à resolução de problemas complexos. 

E aos estudantes investirem em habilidades que não constam em manuais — como escuta, adaptabilidade, pensamento sistêmico e atitude empreendedora.

Num mundo cada vez mais automatizado, sobreviverá quem melhor compreender o que significa ser humano. E isso, nenhuma máquina ainda conseguiu ensinar.

Anand Rao e Agnes Adusumilli

Editores Chefes

Cultura Alternativa