Banda de skatistas promove comunhão coletiva
O grupo californiano ‘’Suicidal Tendencies’’ dispensa apresentações. Fundado em 1980 e com mais de 30 álbuns no currículo, a banda é conhecida no mundo inteiro pelas performances com alto nível de adrenalina que entrega ao seu fiel público.
Adrenalina, ingrediente fundamental para um grupo que é considerado pioneiro do skate punk e do crossover trash e que incorpora ainda em sua sonoridade crua e potente elementos de heavy metal e funk metal.
O Site Cultura Alternativa foi conferir a apresentação que o grupo fez na noite desta segunda-feira na cidade de Toulouse, na França.
O show aconteceu no Club Bikini, uma das casas de show mais tradicionais da cidade, preparada, portanto, para sediar o tipo de concerto que o Suicidal faz.
O espetáculo percorre a Europa nesse verão na sequência do lançamento do último álbum do ST, ‘’Still Cyco Punk Affter All These Years’’.
Banda de skatistas
Bem, falávamos de adrenalina nos parágrafos acima. E de skate…, de punk…, de trash… E a essa altura do texto o leitor deve estar imaginando que o tipo de público que vai aos shows do Suicidal nada tenha a ver com as ‘’famílias de roqueiros classe média-alta bem postados na vida’’ que ajudam a sustentar as turnês milionárias de Paul MacCartney e dos Rollings Stones, por exemplo.
Pois o caro leitor se engana! E se está precisando literalmente dar uma chacoalhada na sua existência, recomendo fortemente que não perca o próximo o show do ST no Brasil.
Pode levar a esposa, os filhos adolescentes e até as crianças. Pois foi esta a composição do público (mais os skatistas de raiz, os connaisseurs de música urbana, os metaleiros de primeira geração, os que usam camiseta preta de qualquer banda de rock e alguns punks à chien) que se divertiu até ficar molhado de suor e cerveja durante a hora e meia do show do Suicidal.
Intergeracionalidade também sobre o palco. O líder, cantor e fundador da banda, Mike Muir, o guitarrista Dean Pleasants e o baterista Dave Lombardo estão chegando aos 60 anos, enquanto o baixista é o adolescente Tye Trujillo, 17 anos (filho de Robert Trujillo, que toca o mesmo instrumento no Metallica). Ben Weinman, já chegando aos 50, completa o ST na outra guitarra.
Ir com a família a um show de Hard Core é possível, como estou sustentando, mas estejamos preparados.
O ST toca vários hits de chacoalhar cabeça, como ‘’I saw your mommy’’, ‘’You c´ant bring me down’’, ‘’Possessed to skate’’, ‘’Lovely’’, ‘’Suicico mania’’, entre outros petardos.
No show de Toulouse, imediatamente, depois do primeiro ataque da caixa nervosa de Lombardo, o diversificado público acima citado se transforma numa massa uniforme, que se chacoalha em bloco prá lá e prá cá, de um lado para o outro do Bikini. Um movimento coletivo do qual é difícil escapar, sendo o mais prudente mesmo aderir…
Movimento contínuo, e praticamente incessante durante todo o show, é levantar alguém acima das cabeças da plateia e fazê-lo passar de mão em mão de um lado ao outro, como se estivesse nadando num mar de gente.
Terceiro ato, chuva de copos de cerveja, com cerveja. Na metade do show, com o caos bem instaurado e quando provavelmente ninguém mais na plateia está se importando com sua identidade e nem com o lugar de onde veio, Mike Muir toma uma atitude…para aumentar ainda mais a confusão.
Libera o palco para quem quiser subir e fazer lá em cima a mesma coisa que estava fazendo em baixo, além de ajudar a banda a cantar três, quatro, cinco outros de seus hits.
Em anos de cobertura de espetáculos de todo gênero e subgêneros de Rock eu nunca havia presenciado tal abertura e ousadia por parte de uma banda. Aos poucos o pessoal vai descendo, reocupando a plateia e recomeçando tudo novamente lá embaixo.
Faltando três ou quatro músicas para o fim do concerto, Mike libera outra vez o palco. E é assim que se encerra o show celebração de skate-punk-metal-trash do Suicidal Tendencies.
Quase metade da plateia tomando o lugar dos artistas. Mike, Ben, Tye, Dave e Dean, por sua vez, têm dificuldade para deixar a cena. Está todo mundo misturado lá em cima. Então tá rolando de tudo: aperto de mão, self, autógrafo em camiseta…
Assim, o último ato da banda não é musical, pois não há bis, mas sim uma comunhão de corpo e alma com seu público.
O público vai deixando o palco e o Bikini, e voltando a se reagrupar nas mesmas unidades básicas que eram quando chegaram ao club, duas horas antes: pais localizam os filhos, namorados se aconchegam, metaleiros se reúnem, skatistas se reaproximam, punks se reencontram.
O show do Suicidal Tendencies no Bikini foi uma intensiva e espontânea comunhão física, musical e social. Foi como se por uma hora e meia a sociedade tivesse sido capturada por uma acolhedora e democrática comunidade de skatistas.
Texto de Carlos Dias Lopes é músico e jornalista.