Exposição excessiva de crianças em redes sociais pode causar danos
Pediatras alertam para os perigos desse hábito, o sharenting
A menina Alice, de 5 anos, ama tirar fotos e vídeos. Ela tem um perfil na rede social Instagram administrado pela mãe, a empresária do setor de alimentos Tainara Paradelas.
A mãe cuida com atenção do perfil, feito apenas para registrar os momentos da infância da garotinha.
“O perfil da Alice foi feito para compartilhar memórias e coisas engraçadas com amigos íntimos e familiares”, conta a mãe, que usa critérios de segurança no perfil da pequena. “O perfil dela é trancado e só pode segui-la quem eu aceito”, detalha Tainara.
Diferentemente de Taianara, no entanto, muitos pais e mães expõem indevidamente informações pessoais de seus filhos menores em redes sociais, o que pode colocá-los em situação de vulnerabilidade.
Esse tipo de atitude, conhecida como sharenting – termo em inglês que combina as palavras share (compartilhar) e parenting (paternidade) -, parte de uma tendência crescente e que pode ter consequências indesejadas.
Exposição excessiva de crianças em redes sociais
Impactos
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) alerta para os perigos e impactos de longo prazo desse hábito na vida dos menores.
“A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente, sem critérios de segurança e privacidade, pode ser distorcido e adulterado por predadores em crimes de violência e abusos nas redes internacionais de pedofilia ou pornografia, por exemplo”, explica a coordenadora do Grupo de Saúde Digital da SBP, Evelyn Eisenstein.
Guia prático
Para atualizar pediatras, pais e educadores sobre a influência das tecnologias de informação e comunicação (TICs), redes sociais e internet nas questões de saúde e de comportamento das crianças e adolescentes, a SBP publicou neste ano o Guia Prático de Atualização “#SemAbusos #MaisSaúde.
O guia destaca importantes recomendações aos médicos sobre como avaliar na história e no exame, durante a consulta, casos suspeitos de violência ou abusos offline ou online; além de orientar os pais sobre alternativas seguras, educativas e saudáveis de atividades para crianças e adolescentes.
A exposição exagerada de informações sobre crianças representa uma ameaça à intimidade, vida privada e direito à imagem, como dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Somado a isso, todo conteúdo publicado na internet gera dados que, no futuro, podem ser desaprovados pelos filhos, por entenderem que sua vida privada foi exposta indevidamente durante a infância.
Exposição excessiva de crianças em redes sociais
Consequências
Os dados digitais das crianças podem ser utilizados para diferentes finalidades, desde o roubo de identidade, cyberbullying, uso indevido de imagens e vídeos por pedófilos, até outras ameaças à segurança.
A coordenadora do Grupo de Saúde Digital da SBP, a médica Evelyn Eisenstein, destaca que a privacidade online é uma garantia para que as futuras gerações possam entrar em sua maturidade livres para construir por elas mesmas suas identidades digitais.
“Isso é mandatório. A SBP sempre procura destacar a importância da mediação parental em acessos a conteúdos nas redes sociais para tentar reduzir problemas relacionados à segurança e à saúde das crianças e adolescentes”, disse Evelyn.
A psicóloga Thais Ventura Corrêa Dominguez reforça que os pais são os principais responsáveis pela exposição de crianças na internet. “É importante que eles estejam atentos a resguardar a individualidade e privacidade da criança, considerando-a como um ser de direitos, que devem ser preservados”.
O cuidado com a disponibilização de informações pessoais deve sempre ser considerado, completa Thaís. “As crianças não possuem habilidade cognitiva para tal discernimento. O estar on-line hoje se torna quase uma obrigação, o que muitas vezes leva a comportamentos reativos e impulsivos de compartilhamento de informações. Por isso, o cuidado com as ações nas redes deve ser redobrado”.
Exposição excessiva de crianças em redes sociais
Precauções
No Brasil ainda não existem medidas legislativas que regulem a privacidade das crianças pelos provedores de internet. Logo, a publicação de uma foto aparentemente simples pode ter diversas interpretações e prejuízos, mesmo anos após a postagem.
“Temos vários projetos de lei barrados por indústrias de entretenimento, mídias e provedores que lucram em demasia com esse tipo de compartilhamento”, comentou a médica Evelyn Eisenstein.
Segundo ela, não há na legislação brasileira uma lei como a Children’s Online Privacy Protection Act (Coppa – Lei de Proteção à privacidade online de crianças, em tradução livre), instituída nos Estados Unidos, em 1998, para a proteção de dados e regulação da exposição de crianças menores de 13 anos na internet.
Em agosto deste ano, o Google anunciou o lançamento de um serviço que permite remoção de imagens pessoais de adolescentes menores de 18 anos em seus resultados de pesquisa. Um formulário para fazer o pedido de remoção está disponível na página de suporte da empresa.
O Google informa, no entanto, que essa remoção não significa que a foto será retirada da internet, mas que deixará de ser mostrava nos resultados de busca do Google Imagens.
O compartilhamento de imagens e vídeos é um hábito relativamente novo, por isso as repercussões na vida futura das crianças ainda não são totalmente conhecidas, esta é a parte mais preocupante da exposição excessiva.
“Não são apenas os pais que devem ser mais cuidadosos, mas também familiares e cuidadores. Eles precisam estar cientes das possíveis consequências indesejadas para a saúde das crianças. Não é inofensivo compartilhar conteúdo online”, disse Evelyn.
Confira matéria na integra no site da Agência Brasil
Edição: Denise Griesinger