Trabalhar ou adoecer?
“Prefiro sair”: o novo grito silencioso do trabalhador brasileiro
“Não era sobre dinheiro. Era sobre respirar.” — o desabafo, publicado no X (antigo Twitter), teve milhares de curtidas.
A autora havia acabado de pedir demissão de um emprego formal, estável, mas emocionalmente sufocante. E ela não está sozinha.
O Brasil vive um fenômeno silencioso, mas intenso: as demissões voluntárias atingiram o recorde de 38% do total de desligamentos em 2023, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
Foram 7,4 milhões de pedidos para sair — por vontade própria. E a tendência continua firme.
O que está por trás de tantos pedidos de desligamento?
Uma pesquisa inédita do governo federal com mais de 53 mil trabalhadores que pediram demissão entre novembro de 2023 e abril de 2024 revela um retrato multifacetado das razões por trás desse movimento:
- Já tinham outro emprego garantido: 36,5%
- Salário considerado insuficiente: 32,5%
- Falta de reconhecimento: 24,7%
- Problemas éticos e culturais nas empresas: 24,5%
- Chefes difíceis ou autoritários: 16,2%
- Estresse e saúde mental afetada: 23%
Estes números revelam algo além da simples troca de emprego. Revelam um esgotamento coletivo. Um cansaço que vai além da produtividade e entra na esfera da dignidade.

Redes sociais: palco de desabafos e reflexões
O tema tem ganhado força nas redes. A hashtag #PrefiroSair reúne milhares de depoimentos sobre ambientes tóxicos, jornadas abusivas, e a conhecida escala 6×1, em que se trabalha seis dias para descansar um.
É no ambiente digital que muitos encontram apoio, validam suas decisões e encontram coragem para colocar o bem-estar acima da estabilidade.
Relatos de “burnout silencioso”, sensação de inutilidade e medo de represália estão por toda parte — e revelam um ambiente corporativo ainda hostil a mudanças profundas.
Saúde mental não é luxo: é limite
Um em cada quatro brasileiros que pediu demissão em 2023 fez isso por estresse. E isso inclui profissionais de todas as faixas etárias e níveis de qualificação.
As empresas precisam entender que a saúde mental não é um benefício opcional: é um pilar do trabalho contemporâneo.
A ausência de políticas claras, de diálogo aberto e de ambientes seguros para expressar desconforto tem custado caro. Para os trabalhadores, isso resulta em adoecimento. Para as empresas, em perda de talentos, rotatividade elevada e produtividade em queda.
Mudanças à vista: jornadas mais humanas?
Pressionados pelos índices crescentes de desgaste e abandono, movimentos como o Vida Além do Trabalho têm proposto alternativas à desgastante escala 6×1.
Uma das propostas mais debatidas é a semana de quatro dias de trabalho, seguida por três dias de descanso — uma medida que já vem sendo testada em empresas de tecnologia no Brasil e que ganhou notoriedade internacional com bons resultados.
No Congresso, a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) propôs a redução da carga horária semanal de 44 para 36 horas. A proposta ainda está em debate, mas reflete um desejo coletivo: não se trata de trabalhar menos, mas de trabalhar melhor.

6×1, 5×2, 4×3: Explorando as Escalas de Trabalho no Brasil e o Debate sobre Jornadas Laborais
E as empresas? Estão prontas para essa virada?
Algumas já entenderam que reter talentos exige mais do que salários competitivos. É preciso cultivar ambientes empáticos, oferecer horários flexíveis, investir em saúde mental e ouvir — de verdade — o que os colaboradores estão dizendo.
Outras, no entanto, ainda resistem. Insistem em controle rígido, ausência de diálogo e chefias que operam na base do medo. Essas, inevitavelmente, assistem à debandada silenciosa de profissionais que preferem sair a se submeter.
Conclusão: sair do trabalho não é desistir da vida — é recomeçá-la
Pedir demissão, para muitos brasileiros, é hoje um ato de coragem. É colocar limites. É dizer “basta” à lógica que transforma gente em engrenagem.
E se esse movimento continua crescendo, talvez o recado já tenha sido dado: o futuro do trabalho exige humanidade, escuta e transformação.
Empresas, líderes e políticas públicas têm agora a chance de reagir. De se reinventar. De construir, lado a lado com seus profissionais, um novo pacto: onde trabalhar não signifique perder a vida no processo.
REDAÇÃO SITE CULTURA ALTERNATIVA