Jazz in Marciac
Maior festival de jazz da França dura 16 dias e reúne nomes consagrados
Marciac é uma pequena cidade da 1.200 habitantes, localizada na região da Occitania, no Sudoeste da França. Desde 1978, ali é realizado o ‘’Jazz in Marciac (JiM)’’, o maior festival deste gênero musical norte-americano em solo francês. São 32 concertos de pop, rock, soul, R & B e jazz sobre a cena principal, chamada Chapiteau, e centenas de outras apresentações menores e espontâneas, em cafés, bistrôs, praças, ruas e becos.
Os franceses amam música e adoram Jazz. Por isso, entre o final de julho e o começo de agosto, a população da simpática cidade aumenta em cinco vezes. Engravida de distintos públicos.
Entre eles, dois são notórios: os casais na faixa de idade acima dos 60 anos de vida material já bem consolidada; e os bandos de jovens estudantes, com a cara limpa e a roupa suja.
Os primeiros hospedam-se em hotéis estrelados ou viajam com seus camping cars último modelo, pagam 65 euros (350 reais) para ver os concertos, ocupam mesas fartas nas varandas dos restaurantes e avançam sobre a vasta oferta de souvenirs regionais.
Os jovens, por sua vez, formam o exército dos mais de mil voluntários que na prática fazem o festival funcionar desde sua primeira edição. Da limpeza dos banheiros à técnica de som dos espetáculos secundários, tudo é feito por voluntariado. Em troca de comida, pouso e acesso livre a todos os concertos.
Os dois distintos públicos do festival se cruzam em diferentes situações e se respeitam mutuamente; ouvem, cantam e dançam praticamente 24 horas por dia, celebrando a música sob a vibe libertária do jazz. Em Marciac durante o JiM, a festa nunca termina.
Jazz in Marciac
A edição 2022 foi aberta com o concerto da cantora revelação do soul jazz canadense, Dominique Fils-Aimé. A jovem artista faz um trabalho inspirado nas tradições musicais afro-americanas, com ênfase na reconciliação das raças, terreno onde exprime suas convicções pessoais, sociais e espirituais. São letras politizadas, cantadas sobre elaborados e bem-produzidos arranjos. A base sonora é uma mistura de múltiplas influências, soul e R & B marcadamente entre elas.
O segundo show da noite é o da multipremiada pianista norte-americana Diana krall. Ganhadora de cinco Grammys, com vários discos de ouro e platina no currículo. A voz grave e profunda de Diana e seus improvisos jazzísticos criam um clima aconchegante, transformando o Chapiteau num imenso clube intimista de jazz.
Jazz in Marciac
Se a noite de abertura do festival foi para assistir sentado, escutando letras politizadas e evoluções sonoras complexas, as apresentações de sábado fizeram até os mais tímidos se levantarem de seus assentos para dançar.
Começou com o concerto da The New Power Generation, grupo que faz cover de Prince. E com grande maestria, pois é liderado pelo tecladista Morris Hayes, que por muitos anos foi “sideman” do garoto de Minneapolis. Logo na abertura o vocalista MacKenzie convoca a todos para se juntarem na frente do palco e instaura uma farra dançante de uma hora e meia turbinada por hits como “Pop Life”, “Little Red Corvette”, “Kiss” e várias outros. A NPG conta ainda com os groveiros Tony Mosley e Sonny Thompson, consagrados guitarrista e baixista, representantes do R & B americano de raiz.
O concerto seguinte viria condensar quase 50 anos de sucessos pop radiofônicos em duas horas. Quem subiu ao palco foi Nile Rodgers, acompanhado de seu super consagrado grupo Chic. Mesmo entre as legendas da música contemporânea, o onipresente arranjador, produtor, compositor, guitarrista e hit maker é uma excepcionalidade.
Além de ter renovado o som negro pop americano com a fundação do Chic em 1976, desde então Nile está por trás de mega hits radiofônicos e planetários de artistas como David Bowie (‘’Lets Dance’’), Madonna (‘’Like a Virgin’’), Diana Ross (‘’I´m Coming Out’’), Duran Duran (‘’Notorius’’), e Daft Punk (‘’Get Lucky’’). Estes são só alguns de uma lista de sucessos que seria enorme e que todos nós já escutamos em algum momento de nossa vida.
O sorridente Nile dá a partida em sua guitarra elétrica rítmica e ao Chic. Ao mesmo tempo em que conta histórias de suas criações, lança sob a lona do Chapiteau uma sequência inacreditável de petardos dançantes, que provavelmente nenhum outro artista jamais será capaz de oferecer ao seu público numa noite. Começa com os sucessos que escreveu para o Chic, como ‘’We Are family’’, ‘’Good Times’’ e ‘’Le Freak’’, e continua com todos os hits primeiramente citados que produziu para outras estrelas.
A temperatura é alta nesta noite de verão em Marciac, e esquenta ainda mais com a usina sonora Chic mandando ver no palco. Depois de duas horas inebriantes de um megashow, o público vai embora extenuado, mas feliz e agradecido, cantando com sotaque francês ‘’Good times. These are the Good Times’’! Eles são chiques e têm razão!
Por fim o primeiro final de semana do festival encerrou no domingo com dois artistas de áreas distintas. O legendário guitarrista britânico Jeff Beck se apresentou tendo como convidado…Johnny Depp. A presença do ator americano que toca guitarra nas horas vagas e se esforça para cantar mal como um roqueiro deve cantar obrigou a produção do JiM a colocar mil cadeiras a mais no Chapiteau.
Muita gente apareceu em Marciac apenas para vê-lo de perto. Jeff e Johnny são um contraponto perfeito um para o outro. Jeff se veste com discrição, procura os cantos escuros do palco e quase não se comunica com a plateia.
Está na ativa desde os anos 60 e é um dos instrumentistas mais influentes de todos os tempos, graças à perfeição das melodias que tira de sua Fender Stratocaster. Já Johnny aparece vestindo uma fantasia que mistura Piratas do Caribe com Keith Richards, canta fazendo caras e bocas e capricha nas poses lânguidas.
É um ator magnetizante, é verdade, por isso está nos spotlights do festival, mas musicalmente nada acrescenta. O ponto alto do show da improvável dupla é a cálida “Little Wing”, de Jimi Hendrix.
A semana reserva grandes concertos, como os de Herbie Hancock, Marcus Miller e dos irmãos Winton e Brandford Marsalis. O Cultura Alternativa vai conferir.
Jazz in Marciac
Um estudante franco-brasileiro entre os voluntários
Um estágio profissionalizante na França pode ser muito semelhante a um voluntariado no Brasil.
O estudante é livremente acolhido, colocado em atividade ao lado de pessoas experientes em sua área e dali estabelecesse uma rede de relações que pode render uma boa chance no mercado de trabalho
Foi em busca dessas oportunidades que o estudante franco-brasileiro (nasceu em Brasília) Caio Monteiro Lopes, 23 anos, procurou a organização do ‘’Jazz in Marciac’’, no mês de junho. Aluno do terceiro ano do Curso de Engenharia de Som e Produção Musical de uma escola superior privada de Toulouse, ele fez de tudo um pouco no back stage dos concertos do JiM.
Passou rodo no palco, carregou cases de instrumentos, montou kits de bateria e instalou microfones na cena principal. Em quatro concertos de grupos secundários de jazz e rock recebeu a oportunidade de fazer mixagem na mesa de som, sendo o responsável pela sonorização completa dos quatro shows.
O estudante diz que o JiM está lhe proporcionando uma grande gama de experiências. ‘’É uma variedade enorme de situações que o festival oferece aos estudantes da área, pois aqui convivemos de perto tanto com pequenos shows em cafés e bares, como com as grandes estruturas dos concertos de estrelas como o Nile Rodgers, a Diana Krall, o James Blunt’’.
Caio diz que a extrema organização que existe por trás do palco principal, ao qual tem acesso diário, é algo que chama a atenção ‘’Lá se convive com as várias atividades de um back stage, como os roadies, os iluminadores, os técnicos de som, os videastas, os backliners, os engenheiros de som e aas suas distintas hierarquias internas. Tudo é prova do quanto cada atividade é importante para a boa realização dos espetáculos’’.
O estudante salienta que está vivendo em Marciac experiências que antes havia apenas imaginado. ‘’A organização aqui é muito profissional, como só se vê nos Estados Unidos’’.
Entretanto, Caio acrescenta que enxergou coisas além do profissionalismo: ‘’As equipes dos grandes músicos são todas pagas, mas dá para perceber que, mesmo assim, colocam alma naquilo que fazem, para que tudo saia perfeito. É um bom exemplo prá todos nós’’.
Caio, em ação no back stage de um dos concertos do Jazz in Marciac
Texto de Carlos Dias Lopes é músico e jornalista.
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